segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Capítulo 8 - Serina

Como por milagre, consegui fazer todo o percurso da Casa-de-Bombeiros até a Academia em apenas 4 minutos.
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Quando finalmente cheguei ao portão da escola, o pátio de entrada ainda estava abarrotado de estudantes e a barulheira de conversas que tomava conta de todo o ar parecia ainda pior do que a do dia anterior.
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Completamente cego pela forte claridade do sol naquela manhã, desencavei do fundo da minha mochila o meu velho par de óculos escuros e me encostei na mesma árvore frondosa de sempre - brincando distraídamente com as rodas gastas do meu skate enquanto observava o ir e vir do corpo docente da Constantine por detrás das minhas lentes baças.
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Sem prestar atenção em nada particular, percebi um ligeiro burburinho se formar no canto mais distante da rua. Ouvindo a confusão de vozes que chegava até a mim, me inclinei com cuidado na direção da algazarra e apurei a minha audição o máximo que podia - distinguindo claramente o tom insuportavelmente pretencioso de Oliver Nigro, acompanhado pelas gargalhadas estúpidas de todos os seus asseclas da turma Privilegiada.
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- Vejam só, caras - cacarejou Antoni Pabin, o Capitão ''só-músculos'' da Equipe de Natação da escola, para quem quisesse ouvir - acho que a gatinha aqui não tem língua!
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Em resposta a provocação do amigo, todos os garotos urraram e assobiaram com prazer. Ao que parecia, a horda de desocupados da Constantine havia encontrado uma nova vítima para atazanar e, não sabendo muito bem o por que, aquilo não estava me cheirando nada bem.
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- Hei, não precisa ficar com medo - disse Oliver cauteloso, suas verdadeiras intenções disfarçadas em um tom de voz cordial que eu nunca o vira usar com ninguém - Eu não vou te machucar, acredite... nós só queremos, você sabe, conhecer melhor nossa nova colega de classe.
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Antevendo a confusão formada, contornei o tronco da árvore aonde eu estava escondido e encarei o famoso grupinho de baderneiros, minhas sobrancelhas unidas só de imaginar o que eles poderiam estar aprontando.
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Para meu espanto, Oliver e todos os seus seguidores formavam um círculo estranho e ameaçador ao redor de ninguém menos que Serina Biel - cujo rosto perfeito estava visivelmente lívido em uma mescla de impaciência e asco ao ver um de seus cachos escuros se enroscarem entre os dedos pálidos do malicioso filho do Dir. Nigro.
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Sentindo um formigamento nada convencional me subir pela coluna, caminhei à passos largos a pequena distância que separava o gramado da Constantine da esquina da rua e mergulhei no interior da roda de Privilegiados. Eu sabia que estava cometendo um suicídio - não só no sentido social - mas acotovelei todos os idiotas que me trancavam a passagem até parar bem à frente do líder estúpido deles, a vista embaçada e vermelha iguais à de touro enfurecido.
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- O que vocês pensam que estão fazendo com ela? - perguntei, não reconhecendo o tom sombrio de minha própria voz, tamanha a força que me controlava.
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Por um segundo, todos me encararam. Pelo visto, eu não havia sido o único que fora pego de surpresa pela ''audácia'' dos meus isntintos. Tomas Mantiz e Lucas Darvel trocaram uma longa e significativa olhada, enquanto a maioria dos caras da Equipe de Natação - incluindo o parrudo Antoni Pabin - deram meio passo para trás, como se só a minha presença ali fosse capaz de lhes transmitir o vírus ebola.
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Eu estava pouco me lixando para a reação daqueles acéfalos bombados e sobre o quê eles pensavam ou deixavam de pensar sobre mim.
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O que me importava - e me consumia pouco a pouco por dentro como o veneno quente e pegajoso de uma víbora - era o fato de que, por mais pertubado que pudesse parecer, Oliver continuava com sua mão nojenta nos cabelos da irmã de Líon. E que, além de repulsiva, a atitude parecia ser de uma ousadia sem par - mesmo para brutamontes estúpidos como os Privilegiados.
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- O que vocês pensam que estão fazendo com ela? - repeti a pergunta, mantendo os meus braços trêmulos bem colados junto ao corpo, contando de 1 até 100 para não fazer nenhuma loucura.
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Recuperando-se gardativamente do choque momentâneo que minha entrada causou, Oliver se desvencilhou de Serina e se virou para mim - a atitude autoritária e de superioridade que ele sempe utilizava quando falava comigo no seu nível máximo.
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- E o que o Senhor Bizarro tem a ver com isso? - devolveu o garoto, suas mandibulas tão tensas que eu seria capaz de dizer quantos músculos haviam surgido em sua face. - Pelo o que percebi, o assunto ainda não chegou na lixeira que você mora...
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Tive que respirar umas cinco vezes para não esmagar o filho do diretor na frente daquelas híenas que ele chamava de amigos. Foi um momento de perigo particular. Por mais que o meu lado consciente e racional dissese para mim que qualquer tolice pudesse representar o fim da minha vida ''silenciosa'' em Ventura, o resto do meu ser gritava para acabar com o falatório e ir para os finalmentes com o Rei dos Bundões.
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Eu não sabia explicar minha reação - estava encurtando ainda mais a distância que havia sido feita no centro do círculo, minhas mãos cerradas em punhos e o meu coração palpitando tanto que eu não conseguia escutar os meus próprios passos. Era como se, naquela manhã, um Adrian menos responsável e mais exibido tivesse se libertado dentro de mim... e o seu primeiro desejo era esfregar a carinha mais-que-simétrica de Oliver no asfalto quente até não sobrar nada, só para ver como é que ficaria.
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Porém, antes que o ''Adrian Rebelde'' pudesse agir e ferrar com tudo, Serina saiu de seu estado de observadora e se colocou no centro do círculo - suas mãos agarrando o meu braço esquerdo ao mesmo tempo em que seus olhos escuros fuzilavam o líder dos Privilegiados com uma indiferença quase que mortal.
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- Nossa, até que enfim... pensei que você não ia chegar nunca!
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Com um sorriso angelical, a garota me encarou e piscou - e eu conseguia ler em cada traço de sua expressão inocente as palavras de aviso ''se acalme, não se encrenque e deixe tudo comigo''.
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- Muito bem, acho que não preciso mais da ajuda de vocês - continuou ela, reforçando a palavra ajuda como quem dizia ''caiam fora da minha frente agora, ou vão me conhecer de verdade!'' - Adrian, por que não me leva para conhecer a Academia?
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Não pensando duas vezes, puxei a novata pelo braço e a tirei do círculo, sentindo os olhares incrédulos de Oliver e seus cumpinchas perfurando as minhas costas de uma forma bastante ofensiva. Eu poderia dizer que o ''meu Eu louco'' ainda rosnava para o grupo deixado para trás, mas a verdade era que - assim que Serina colocou as suas mãos suaves e delicadas sobre a minha pele - toda a raiva e a tensão que parecia prestes a explodir de mim desapareceu, como se nem tivesse existido.
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- Obrigada - sussurou Serina, quando estávamos longe o bastante para não sermos ouvidos pelos Privilegiados - Eu já ia resolver tudo com aqueles... otários, mas... Foi muito legal você ter aparecido para me defender. Muito legal mesmo.
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- Não precisa me agradecer - respondi, sentindo o sangue fluir e se concentrar em meu rosto - Eu vi o que eles estavam fazendo e não achei justo... Só fiz o que era o certo.
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Por um milésimo, ela me encarou e sorriu.
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- Líon tem razão - comentou a garota, assim que chegamos às raizes da àrvore onde eu havia largado minhas coisas – Meu irmão acha que você deve ter algum tipo de gene sobrehumano ou coisa assim. Depois do que você fez hoje, tenho que concordar com ele.
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Sentindo um forte aperto no peito, parei e olhei para Serina um tanto assustado. Então Líon desconfiava de mim, mesmo me conhecendo em menos de um dia... Será que eu era tão estranho assim que ninguém acreditava no meu disfarce de ''adolescente normal''?
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- Bom, ele não fez nenhum tipo de fofoca - continuou ela, percebendo minha reação e interpretando de forma errada, como quem se desculpa por ter dito algo errado - Líon só me contou o que aconteceu ontem na piscina, e devo dizer que estava assombrado. Acho que notou que ele não é exatamente o típico garoto que faz muitas amizades em uma escola; mas aí chega alguém como você e o trata como um igual, com respeito... Eu não tenho nem palavras para agradecer, de verdade!
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Eu fiquei parado no mesmo lugar sem entender aonde ela queria chegar.
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Se Líon não desconfiava do que eu realmente era, por que ele ficaria tão impressionado comigo? Eu não processava nem um pouco como uma pessoa normal poderia se sentir assim com relação a mim, e muito menos o que Serina queria dizer com aquela história de ''alguém como você''. No ranking para descobrir qual adolescente era o Mais Deslocado do Mundo, eu tinha certeza que levaria o primeiro lugar em disparada.
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E foi tentando dizer isso a ela que eu acabei percebendo o quão próximos nós dois estávamos. Meu rosto deveria estar a uns dez centimetros acima do dela, e só de olhar o meu reflexo naqueles seus olhos escuros e profundos, uma sombra forte e embaraçosa da ligação que eu havia sentido na manhã anterior tomou conta de todo o meu corpo de assalto e se espalhou pelo ar igual á uma tempestadde de verão. Eu tinha certeza, mais do que nunca, que a conhecia de algum lugar – mas de onde era o mistério.
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Em um tempo inestimável, ficamos congelados naquela posição - um encarando o outro - até que um pigarro alto e claro ao nosso lado nos despertou por completo.
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- Pelo visto, acho que você e minha irmã se conheceram muito bem...
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Líon estava parado à uma pequena distância de nós, os braços cruzados sobre o agasalho com capuz e a expressão dividida entre a confusão e o divertimento. Rapidamente, Serina e eu nos separamos, o que me deu a chance de me virar e pegar o meu material no chão - evitando ao máximo o olhar pra lá de inquisitivo do rapaz às minhas costas.
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- Nossa garoto, mas você demorou! - ofegou Serina, como se tivesse acabado de realizar a prova dos 200 metros com barreira.
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- O que eu podia fazer? - retrucou o novato, pegando o meu skate com os pés e o segurando na minha direção - hoje é o primeiro dia do papai no trabalho novo, e o banheiro da suíte dele e da mamãe não está funcionando...
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Ainda um tanto afobado, me levantei da posição em que me encontrava e peguei o skate das mãos de Líon, o agradecendo pela ajuda sem ter corajem o suficiente de o encarar nos olhos.
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- E aí, será que eu preciso mesmo fazer as apresentações? - perguntou o garoto, sua voz destilando sarcasmo - Por que, se quizerem, eu faço com todo prazer: Serina, este é o Adrian, de quem eu lhe falei ontem... Adrian, esta é minha irmã-gêmea Serina.
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Depois dessa, eu tive que levantar o meu rosto e admirar o novato à minha frente.
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- O quê? - soltei sem pensar, tendo certeza que a minha expressão estava tão epantada quanto eu me sentia - Ela é sua irmã-gêmea?
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Sem cerimônia alguma, tirei os óculos escuros da minha frente e me virei de um para outro umas cinco vezes. Aquilo era inacreditável. Enquanto Serina era baixa e sua pele castanha parecia resplandecer cada raio de sol, Líon era um verdadeiro poste, cuja pele morena parecia não ter visto a luz do dia por um longo tempo... Nem o cabelo dos dois eram iguais: o do novato era lanzudo e sem forma, caindo para os lados de todas as direções - já o da garota era bonito e sedoso, uma verdadeira casacata cacheada da cor do chocolate.
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- Sim, infelizmente ele é o meu gêmeo - respondeu a garota para mim, ao mesmo tempo em que empurrava com força o ombro esquerdo do irmão - Porém eu sou a filha mais velha.
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- Só oito minutos mais velha! - protestou Líon, massageando a clavícula de cara feia.
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- Claro, mas isto não muda o fato que eu continuo sendo a mais velha...
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Antes que eu me recuperasse totalmente da surpresa, o sinal da Academia ecoou pela calçada.
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Sem perceber, tanto Serina quanto o novato me levaram escada acima para o Portão de Entrada, os dois rindo até não poderem mais da minha careta congelada de espanto. Quando chegamos no pequeno patamar, Oliver e os Privilegiados nos alcançaram, tirando Líon e eu do caminho - ao mesmo tempo em que olhavam para a irmã do novato e resmungavam para quem pudesse ouvir coisas como ''Que desperdício!''.
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Foi então que o pequeno balão de entusiasmo que havia crescido dentro de mim desde que Serina me tocara começou a se esvaziar. Estava na cara que toda aquela atenção que a garota estava tendo comigo logo iria acabar. Era só olhar para o lado; por onde ela passava, não importava quem fosse, todos a acompanhavam. Com o tempo, finalmente Serina iria ver que existiam companhias muito melhores e mais parecidas com ela na Constantine do que o irmão-gêmeo e - é lógico - eu.
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E com a cabeça cheia de tudo aquilo, nem notei o vulto alto e ruivo que nos seguia à uma pequena distância ao longo do corredor, seus olhos negros e malígnos transborando em um prazer ofensivo.

3 comentários:

  1. Hui, ai que meda. Depois eu sou a rainha do suspense??

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  2. aaaah, ja ta começaando o romance!
    suspense, suspense e maasi suspenser, ainda bem que tem mais para eu ler :D UIDHAIODHASIDOUHASDOIUASHID
    bjs henti e parabens ♥

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  3. muuuuuuuuuuuuito incrível!!
    cara, sinceramente, um dos melhores que eu já li

    ....quero mais! lol

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