terça-feira, 26 de outubro de 2010

Capítulo 14 - Encontro [Completo]

Logo pela manhã, percebi que aquele sábado seria atípico.
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Do lado de fora da Casa-de-Bombeiros, uma chuva torrencial caía pelas ruas de Ventura, e nuvens negras e carregadas espiralavam erroneamente sobre o outrora céu azul da cidade. No café da manhã, nem eu, nem Cirus ou Angel trocamos palavra alguma. A tensão do que iríamos fazer pairava de forma ameaçadora diante de nossas cabeças, e a forte sensação de impotência que me tomava desde o início da semana não estava ajudando em nada para melhorar o clima na mesa.
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- Acho que está na hora de irmos - anunciou Cirus com sua voz grave, quebrando o silêncio que se instaurava na cozinha assim que os ponteiros do relógio de parede marcaram oito horas em ponto.
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Maquinalmente, nós três nos levantamos e fomos para a garagem - Angel responsável por abrir o portão enquanto meu pai dava vida ao velho Mustang 64.
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Antes de entrar no banco traseiro do carro, olhei demoradamente para o meu skate encostado displiscente em nossa máquina de lavar roupas. Quase que de imediato, me lembrei do dia em que Alexander Morton manipulara as minhas emoções e as de Oliver Nigro, só para demonstrar o que poderia acontecer se eu interrompesse os seus planos de vingança.
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- Relaxa, Adrian... Nada de mal vai acontecer hoje - murmurou Angel, interpretando certo a preocupação que se refletia em meu rosto.
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Meneando a cabeça em sinal de aceitação, entrei no automóvel vermelho e esperei meu pai dar a partida e manobrar a nossa saída da garagem escurecida pela tempestade.
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Para nossa sorte, Cirus conhecia muito bem o caminho; então, em menos de 30 minutos fazíamos a curva na Rodovia Principal dos Três Estados e entrávamos no espaçoso - e temporariamente alagado - pátio gramado da gigantesca casa vitoriana que abrigava o Hospital Psiquiátrico de Santa Fé.
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Correndo para não ficarmos ensopados, invadimos o delicado hall de entrada da casa de repouso, respigando gotas de chuva por todo o chão encarpetado e caminhando com cautela na direção do fim do saguão - onde, por detrás de uma extensa bancada de granito, uma enfermeira velha e atarracada nos aguardava, sua expressão indicando poucos amigos.
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- O que os senhores desejam? - retrucou a mulher com maus modos, antes mesmo de chegarmos ao balcão de informações.
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- Bom dia - cumprimentou Cirus, não se deixando intimidar pela grosseria gratuita da enfermeira - estamos aqui visitar a paciente Suzana N. Leniscky.
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Por um breve segundo, a recepcionista franziu toda a sua cara ofídica canhestramente, seus olhos aquosos nos avaliando de cima à baixo com desconfiança.
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- A senhorita Leniscky não pode receber visitas de amigos - resmungou a mulher, nos encarando com desprezo - Restrições parentais... acho que compreendem.
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Não, eu não compreendia... E estava prestes a dar meia volta daquele lugar quando, em um átimo de segundo, Angel debruçou-se sobre o balcão de mármore e segurou com força as duas mãos da recepcionista – seus olhos grandes e azuis fixos no rosto enrugado da mulher.
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- Você irá nos levar ao quarto onde está a paciente Leniscky – sussurrou minha tia, sua voz clara e hipnotizante como o canto de um pássaro – E não irá contar nada disso a ninguém. .. A senhora entendeu o que estou dizendo?
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Com o rosto estático de admiração, a velha recepcionista balançou molemente a cabeça em concordância, se libertando sem pressa do aperto de Angelina e pegando um grosso molho de chaves guardado em um claviculário de madeira trabalhada fixado na parede à suas costas.
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- Como... Como você fez isto?! – exclamei, não acreditando no que os meus olhos haviam acabado de ver.
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- Isto não foi nada! – retrucou Cirus com impaciência – E escute aqui mocinha, você sabe muito bem o que eu penso quanto a usarmos este tipo de artifício em pessoas normais, não?
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- Eu sei mano, eu sei... – respondeu Angel, massageando as têmporas com as pontas de seus dedos. – Você sabe que eu também odeio ter que fazer isto... Mas hoje era necessário.
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Sem trocar uma única palavra, os dois bufarão em uníssono e seguirão a velha enfermeira encarquilhada por um longo corredor que se estendia ao lado esquerdo do Hall de Entrada da casa de repouso. Não perdendo tempo, acompanhei Cirus e Angel a uns dois passos de distância, repassando mentalmente o que havia acabado de acontecer – ainda não sabendo ao certo se o momento realmente existira ou se não passava de um mero delírio de uma mente já à tempos não muito sã.
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De qualquer forma, me peguei imaginando como tia Angelina havia conseguido induzir a recepcionista a fazer o que ela queria. Pois, sendo a minha imaginação ou não, ela havia usado um dom de Arcano que eu desconhecia e que meu pai não aprovava – o que significava que eu tinha que aprender a fazer aquilo de alguma forma.
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- Por aqui, por favor – sibilou a senhora, apontando para uma longa escada em caracol, seus olhos aquosos ainda fixos e abobalhados.
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Em completo silêncio, nós quatro rodopiamos até o topo, desembocando em um pequeno patamar retangular – suas pareces brancas cheias de rococós e cobertas de cima à baixo por vasos abarrotados de grandes e luxuriantes margaridas.
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- Este é o quarto dela – disse a recepcionista, caminhando em passos lentos na direção da única porta presente no lugar, enquanto recolhia com dificuldade uma pequena chave do molho em suas mãos – Vocês têm meia hora... Entrem.
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Sem o menor interesse no que iria acontecer, a mulher saiu da frente para podermos passar e fechou a porta atrás de nós com um ruidoso click. Um segundo depois, me vejo parado à entrada de um loft espaçoso e muito bem iluminado. Basicamente, o que imperava ali era o antigo, com direito a pé-direito alto, ornamentos em gesso e piso tipo piquê, rodeado de janelas longas e estreitas por todos os lados.
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Seria um quarto típico para uma princesa se não fosse por um pequeno detalhe: o toque pessoal da própria Suzana N. Leniscky.
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- Mas o que esta garota tem na cabeça?! - sussurrou Angel, seu rosto não escondendo nem um pouco a indgnação que sentia pela decoração implantada pela dona do lugar - Ela simplesmente acabou com isto aqui...
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O que não deixava de ser verdade.
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Afinal, a grande cama de dossel que se encontrava no meio do loft parecia não ver uma arrumação à séculos; amontoado-se pelas paredes, dezenas e mais centenas de ilustrações sombrias e macabras de caveiras, monstros obscuros e símbolos esquisitos se agrupavam uma em cima da outra como folhas mortas no outono - isso sem falar na figura solitária e magricela que se encolhia em uma pequena poltrona rosa no canto mais escuro do quarto.
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- Hum... então essa é a noiva do demônio.
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- Angelina! - exclamou Cirus, claramente constrangido pela situação em que se encontrava. - Será que você poderia ser um pouco menos rude, e expressar as suas opiniões um pouco mais baixo?
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- Ah, mas nem à pau! - cuspiu minha tia, cruzando os braços com força por sobre o peito - A doida aqui simplesmente d-e-s-t-r-u-i-u o quarto dos sonhos de qualquer garota no mundo inteiro... Já são menos 15 pontos contra ela!
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- Menos 15 pontos?! A coitada foi internada em uma Casa de Repouso...
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Fazendo questão de ignorar os resmungos raivosos e as farpas trocadas por meu pai e Angel, me aproximei demoradamente da namorada de Alexander Morton, observando estupefado o estado atual da garota.
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Assim como o quarto que ocupava no Hospital Psiquiátrico de Santa Fé, Suzana N. Leniscky um dia fora bonita. De longos cabelos prateados e grandes olhos azuis, sem dúvida alguma a menina deveria parar quarteirões no seus tempos aureos. Querem saber um detalhe assustador nisto tudo? Seu porte físico era muito parecido com o de minha tia. Porém, enquanto uma exalava joviedade e simpatia, a outra dava a impressão de estar se preparando para encarnar a Morte em alguma produção teatral de grandes proporções.
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- Er... Senhorita Suzana - murmurei, não sabendo muito bem por onde começar - Será que podemos conversar?
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Por um longo espaço de tempo, não obtive resposta alguma... E já estava prestes a desistir de qualquer contato quando, finalmente, a jovem desgrudou os olhos imensos do livro grosso e mofado que segurava com força em seu colo e se voltou para mim, como se tivesse acabado de perceber a minha presença em seu quarto.
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- Quem são vocês? O que estão fazendo aqui?
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A típica pergunta. Para minha sorte - antes que eu respondesse qualquer besteira - Cirus e Angel haviam parado de se comportar como dois pré-adolescentes e se postaram ao meu lado, obrigando a jovem a dividir sua atenção em nós três.
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- Olá, Suzana - cumprimentou meu pai, da forma mais afável possível, se agachando perto da poltrona rosa e ficando na linha de visão da garota - Eu me chamo Cirus, e estes são o meu filho Adrian e minha irmã Angelina... Nós estamos aqui por que descobrimos pelo o quê você anda passando ultimamente e gostaríamos de oferecer a nossa ajuda.
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- Que tipo de ajuda? - perguntou Suazana, obviamente entrando no estado de ''defensiva-agressiva'' - O que vocês pensam que sabem sobre mim? Eu não chamei ninguém... Não preciso de ninguém!
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- É, dá para notar isto à quilômetros - disse Angel, a impaciência crescente e visível à cada segundo - Mas não é toda garota que tem o privilégio de receber continuamente as visitas do namorado morto, não é mesmo?! Me diz aí, qual é o seu segredo?
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Se antes Suzana estava doentiamente pálida, agora ela ficara mortalmente lívida. Por um instante, pensei que ela iria arrancar o rosto de Angel usando apenas as suas unhas compridas e mal cuidadas, mas tudo o que a jovem fez foi segurar com ainda mais força o livro velho que tinha nas mãos e se levantar da poltrona, andando imperiosamente até sua cama antiga e desarrumada - o mais longe o possível de onde estávamos.
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- Eu não sei do que você está falando - disse ela por fim, fazendo questão de não nos olhar no rosto. - Acho que estão cometendo um grande engano.
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- Ah, não estamos não! - exclamou Angel, com direito a um leve bater de pernas irritadiço - Você sabe sobre o que estamos falando, e não vai adiantar nada tentar proteger aquele demônio que se passa por seu amiguinho... Nós vamos pegá-lo, ou não me chamo Angelina Regis!
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- Nossa... você é uma louca mesmo, não?
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E com aquela simples frase, Suzana N. Leniscky ativou uma verdadeira bomba atômica.
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- Mas do quê você me chamou?! - antes que pudéssemos fazer qualquer coisa, Angel pulou sobre a garota como um gato e a empurrou com toda a sua força contra o colchão emaranhado - Não sou eu que estou presa em um Hospital Psiquiátrico!... Não sou eu que ando tendo encontros secretos com um namorado-demônio!... Quem é a louca aqui? Quem?
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- Tudo bem! Tudo bem! Eu falo o que vocês quiserem... - gritou Suzana, entre uma e outra sacudida que levava - Mas tirem essa garota de cima de mim!
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Em um milessegundo, Cirus e eu tiramos Angel de cima da garota e a empurramos na direção da poltrona rosa. Respirando com força, minha tia olhou com satisfação para as duas marcas arroxeadas que haviam ficado ao redor do pescoço pálido e mascilento de sua oponente, as mãos ainda se contorcendo como se fossem garras - prontas para voltarem ao trabalho no menor sinal de descuido meu ou do meu pai.
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- Aonde você estava com a cabeça? - berrou Cirus, uma veia grossa e feia saltando bem no topo de sua testa.
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- Ninguém me chama de louca e fica impune - comentou Angel, calma e friamente, seus olhos azuis ainda fixos na direção de Suzana - Nem mesmo se esse alguém estiver sob cuidados médicos...
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- Acho que todos deveríamos nos acalmar - eu disse por fim, olhando para todos com extrema cautela.
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Durante alguns minutos, tudo o que nós quatro fizemos foi apenas respirar. Se antes eu achava que aquele dia não ia dar em nada, agora eu tinha absoluta certeza. Tentando recolher um pouco do leite derramado, Cirus se aproximou cuidadosamente de Suzana e a encarou, seu corpo encobrindo de maneira estratégica a visão que a garota teria de minha tia descontrolada sentada à poucos metros de distância de sua cama.
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- Pode parecer algo estúpido para se dizer agora, mas começamos com os dois pés esquerdos.
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- Eu concordo plenamente - resmungou Suzana, os braços longos e finos apertados com força sobre o peito - Porém eu concordei que iria responder o que vocês quisessem, e é isto que vou fazer.
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Atrás de nós, Angel soltou um moxoxo alto de descrença.
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- Tudo bem - continuou a garota, fazendo questão de ignorar a grosseria de minha tia - Antes de qualquer coisa, eu gostaria de saber uma única coisa... Como vocês descobriram o que está acontecendo com o Alex?
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Não havia acusação na voz de Suzana, apenas curiosidade. Tudo bem, seus olhos brilhavam loucamente e sua boca se erguia em um leve sorriso doentio, mas no fundo era apenas curiosidade.
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- Hum, digamos que nós somos... ''especialistas'' em assuntos sobrenaturais - respondeu meu pai, sendo o mais sucinto (e vago) o possível - Mas, não querendo ser grosseiro, eu gostaria de ser um pouco mais direto...
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- E com isto ele quer dizer ''ir logo ao assunto'' - disse Angel ao nosso lado, já recuperada de seu ataque, apesar de ainda irradiar uma fúria austera e gélida pelo ar ao seu redor - Será que você poderia nos dizer quando foi o seu primeiro encontro com Alexander Morton... depois que ele morreu?
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Meneando a cabeça em aceitação, Suzana colocou o livro que ainda segurava de lado e nos encarou de forma deliberada, seu sorriso torto se aprofundando em um estado de profunda satisfação; obviamente, entrar em uma conversa sobre o seu namorado ''fantasma'' era um prazer para ela.
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- Ah, o Alex... Sabiam que eu estava falando com ele quando aconteceu o acidente? - disse a garota sonhadoramente, seu corpo frágil parecendo vibrar de excitação - O doido conversava comigo enquanto dirigia o carro.
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- Ele.. ele... estava com você no telefone quando... morreu? - perguntei, sentindo um gosto forte de bile começar a subir pela minha garganta - Sobre o que ele dizia?
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- Nada demais... Só me pediu em casamento - respondeu Suzana, avaliando as grossas camadas de cutículas em suas unhas - Mas é claro que eu não o levei a sério, o cara estava completamente chapado! Ficava repetindo que aquele era ''o melhor dia da vida dele'', e que ''não via a hora de invadir o meu cobertor'' e ''brincar comigo''...
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- Sim, claro - suspirou Cirus, ficando genuinamente vermelho pelo último comentário da garota - Porém, o Alexander por acaso te disse o por que de tanta alegria naquela noite?
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- Ele estava comemorando - continuou a garota, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo - Ao que parece, o tutor do estágio dele iria chamá-lo para se tornar fixo no hospital...
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- O Dr. Biel?
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- É, esse cara mesmo - disse Suzana, como se eu tivesse acabado de insultar a mãe dela - Não é engraçado que, no mesmo dia em que ele ofereceu o emprego dos sonhos para o Alex, os merdinhas dos filhos dele tenham feito o favor de matar o meu namorado?
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Não, eu não achava nem um pouco engraçado.
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E confesso que tive que me controlar bastante para não dar uma de minha tia e avançar em cima daquela idiota naquele instante. Sim... pois o estúpido do Morton é quem pega no volante mais alto do que uma girafa, e a culpa de tudo é dos gêmeos; fazia todo o sentido.
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- Mas a vida é feita de momentos engraçados - prosseguiu a menina, seu par de olhos azuis fixos em mim, sua voz soando cada vez mais amarga - Em um minuto, estou recusando pela décima oitava vez o pedido de casamento dele; no outro, tudo o que eu escuto são pneus de carro cantando e o barulho de metal se espatifando no asfalto...
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Nem Cirus nem Angel trocaram palavra alguma.
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Todos sabíamos que aquele era o grande momento de Suzana N. Lenisky. Ela iria desabafar tudo o que escondeu para si própria nos últimos dois meses... E nós finalmente iríamos entender, por menos que fosse, a obsessão vingativa de Alexander Morton por Líon e Serina Biel.
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''Eu nunca gritei tanto quanto naquela noite...
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Acho que chorei sem parar durante uma semana inteira. Todas as vezes que eu me deitava na cama e me preparava para dormir, as lembranças escruciantes dos sons do acidente imundavam a minha mente. Eu não comia, não bebia e não saia do meu quarto para nada. Eu sabia que estava definhando só de ver as expressões que os meus pais faziam quando tentavam conversar comigo.
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O que é estranho, por que eu gostava daquilo...
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Gostava de ver que o meu sofrimento fazia os outros sofrerem também. Gostava de saber que não estava sozinha naquilo - por mais que possa parecer loucura.''
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Por um milissegundo, congelei aonde estava, imaginando que Angel fosse fazer algum comentário estúpido sobre o que Suzana havia acabado de confessar. Mas, ao ver a expressão dura de meu pai, acho que ela pensou duas vezes antes de dizer qualquer tipo de bobagem.
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''Eu não fui no funeral, nem no enterro'', continuou ela, suas mãos acariciando distraidamente a capa negra do velho diário ao seu lado, ''Aquele lugar estava cheia de hipócritas. Ninguém conhecia o Alex como eu. Ninguém se importava com ele, apoiava tudo o que ele fazia, como eu...
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... e fui eu à primeira pessoa que ele escolheu para vê-lo renovado.''
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Mais uma longa pausa.
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Eu não sabia sobre o que ela queria dizer com ''renovado'', mas quando o assunto em questão era Alexander Morton, apostava tudo o que tinha que não deveria ser nada bom.
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- Suzana - disse o meu pai, cruzando os dedos das mãos e os levando para a ponta de seu queixo - Quando foi que o Alexander apareceu para você pela primeira vez?... O que foi que ele queria lhe falar?
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A garota encarou Cirus com um estranho brilho no olhar. Eu podia sentir a excitação doentia que ela irradiava se espalhar como um gás tóxico por todo o cômodo.
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''Sete dias.
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Este foi o tempo que levei para reencontrar o Alex.
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Eu estava deitada em minha cama, querendo que tudo acabasse... E foi aí que eu senti que estava sendo observada. Já era tarde da noite, e não se podia escutar uma alma viva. Olhei para janela e não vi nada. Quando me virei, lá estava ele, jogado sobre as minhas cobertas - me espiando, como sempre fazia.
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Minha nossa, foi táo maravilhoso. Tão... Surreal!
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Em nenhum momento pensei em gritar.
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Eu só queria tocá-lo de novo. Beijá-lo, e senti-lo dentro de mim.''
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- Será que podemos cortar as partes proibidas para menores? - perguntou Angel, seu rosto tomado por nojo e reprovação.
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Suzana olhou para minha tia com uma expressão de raiva controlada, mas acabou fazendo o que ela pedia.
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''Quando terminamos de matar as saudades, eu perguntei o que estava acontecendo. Afinal, como ele poderia estar no meu quarto?
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Foi aí que o Alex me disse que não sabia como, mas ele de alguma forma havia enganara a morte. Ao invés de se perder junto com o seu corpo, ele continuava ''vivendo''. E o melhor: podia fazer coisas que nunca poderíamos imaginar serem possíveis...
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... até agora.''
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Mais uma vez, a garota tocou o seu pescoço e, sem disfarçar o rancor, dirigiu à tia Angelina o seu olhar mais sombrio.
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- Foi só isso que ele falou? - inquiriu o meu pai, tentando amenizar a tensão entre as duas.
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- Não... é claro que não - respondeu a garota, um sorriso malvado bricando em seus lábios - Ele disse que iria atrás dos bastardos que mataram ele... e depois, iria voltar para me buscar.
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- Claro - resfolegou Angel, colocando-se de pé e cerrando suas mãos em punho - Isto foi antes de você dar com a lingua nos dentes para os seus pais e eles perceberem a doida psicótica que haviam criado!
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- Já temos o suficiente - disse Cirus para mim, colocando-se apressado na frente de Suzana e puxando minha tia na direção da porta.
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- Ele vai me encontrar! Eu sei disto - gritou a menina, seu rosto ilumiando de um triunfo perturbado - E nós vamos fugir deste Inferno. Nada vai nos deter!
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Antes de sair do cômodo, me detive em frente da cama e observei o diário que estava jogado ao lado de Suzana. Algo dentro de mim me impelia até ele, tão poderoso quanto ímãs de poralidades diferentes. Eu precisava vê-lo. Eu precisava saber o que aquelas páginas escondiam - só não entendia por quê.
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- Vamos logo, Adrian! - esbravejou Angel, sua voz enraivecida já vindo do corredor.
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Não perdendo tempo, girei em meus calcanhares e segui à passos largos o caminho que os dois haviam tomado.
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Quando atingimos a entrada do Hospital Psiquiátrico, a chuva tinha dado uma trégua. Mesmo assim, corremos para dentro do Mustang e partimos sem demora, como se o ''dilúvio'' que caia mais cedo continuasse.
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Pelo resto da viajem, nós três mantivemos o silêncio da ida. Cirus estava perdido em pensamentos e Angel continuava furiosa demais para falar qualquer coisa. Por mim, a quietude estava ótima. Só assim eu colocava as coisas no seu devido lugar, sem ninguém me interrompendo.
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...Acho que chorei sem parar durante uma semana inteira. Todas as vezes que eu me deitava na cama e me preparava para dormir, as lembranças escruciantes dos sons do acidente imundavam a minha mente. Eu não comia, não bebia e não saia do meu quarto para nada.
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O depoimento de Suzana não me saia da cabeça. A cada respiração minha, as palavras me voltavam com força à mente, e eu sentia todo o meu corpo se enrijecer. Assim como fizera com a própria namorada, Alexander Morton estava obrigando Líon e Serina à se escoderem do mundo. E depois de ver o estado atual que a garota se encontrava, eu não podia deixar aquela situação continuar.
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Eu tinha que fazer alguma coisa.
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- Então - suspirou meu pai, suas atenções ainda voltadas para o trânsito - O que vamos fazer agora?
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Como que por encanto, me lembrei da folha timbrada que jazia amarrotada ao lado do meu cavalete. Na mesma hora, percebi que tirar os irmãos Biel de seu confinamento seria mais fácil do que eu pensava.
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- Tenho uma ótima idéia - respondi, me obrigando pela primeira vez a agradecer Oliver Nigro por suas armações estúpidas.

domingo, 1 de agosto de 2010

Capítulo 14 - Encontro

Logo pela manhã, percebi que aquele sábado seria atípico.
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Do lado de fora da Casa-de-Bombeiros, uma chuva torrencial caía pelas ruas de Ventura, e nuvens negras e carregadas espiralavam erroneamente sobre o outrora céu azul da cidade. No café da manhã, nem eu, nem Cirus ou Angel trocamos palavra alguma. A tensão do que iríamos fazer pairava de forma ameaçadora diante de nossas cabeças, e a forte sensação de impotência que me tomava desde o início da semana não estava ajudando em nada para melhorar o clima na mesa.
.
- Acho que está na hora de irmos - anunciou Cirus com sua voz grave, quebrando o silêncio que se instaurava na cozinha assim que os ponteiros do relógio de parede marcaram oito horas em ponto.
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Maquinalmente, nós três nos levantamos e fomos para a garagem - Angel responsável por abrir o portão enquanto meu pai dava vida ao velho Mustang 64.
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Antes de entrar no banco traseiro do carro, olhei demoradamente para o meu skate encostado displiscente em nossa máquina de lavar roupas. Quase que de imediato, me lembrei do dia em que Alexander Morton manipulara as minhas emoções e as de Oliver Nigro, só para demonstrar o que poderia acontecer se eu interrompesse os seus planos de vingança.
.
- Relaxa, Adrian... Nada de mal vai acontecer hoje - murmurou Angel, interpretando certo a preocupação que se refletia em meu rosto.
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Meneando a cabeça em sinal de aceitação, entrei no automóvel vermelho e esperei meu pai dar a partida e manobrar a nossa saída da garagem escurecida pela tempestade.
.
Para nossa sorte, Cirus conhecia muito bem o caminho; então, em menos de 30 minutos fazíamos a curva na Rodovia Principal dos Três Estados e entrávamos no espaçoso - e temporariamente alagado - pátio gramado da gigantesca casa vitoriana que abrigava o Hospital Psiquiátrico de Santa Fé.
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Correndo para não ficarmos ensopados, invadimos o delicado hall de entrada da casa de repouso, respigando gotas de chuva por todo o chão encarpetado e caminhando com cautela na direção do fim do saguão - onde, por detrás de uma extensa bancada de granito, uma enfermeira velha e atarracada nos aguardava, sua expressão indicando poucos amigos.
.
- O que os senhores desejam? - retrucou a mulher com maus modos, antes mesmo de chegarmos ao balcão de informações.
.
- Bom dia - cumprimentou Cirus, não se deixando intimidar pela grosseria gratuita da enfermeira - estamos aqui visitar a paciente Suzana N. Leniscky.
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Por um breve segundo, a recepcionista franziu toda a sua cara ofídica canhestramente, seus olhos aquosos nos avaliando de cima à baixo com desconfiança.
.
- A senhorita Leniscky não pode receber visitas de amigos - resmungou a mulher, nos encarando com desprezo - Restrições parentais... acho que compreendem.
.
Não, eu não compreendia... E estava prestes a dar meia volta daquele lugar quando, em um átimo de segundo, Angel debruçou-se sobre o balcão de mármore e segurou com força as duas mãos da recepcionista – seus olhos grandes e azuis fixos no rosto enrugado da mulher.
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- Você irá nos levar ao quarto onde está a paciente Leniscky – sussurrou minha tia, sua voz clara e hipnotizante como o canto de um pássaro – E não irá contar nada disso a ninguém. .. A senhora entendeu o que estou dizendo?
.
Com o rosto estático de admiração, a velha recepcionista balançou molemente a cabeça em concordância, se libertando sem pressa do aperto de Angelina e pegando um grosso molho de chaves guardado em um claviculário de madeira trabalhada fixado na parede à suas costas.
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- Como... Como você fez isto?! – exclamei, não acreditando no que os meus olhos haviam acabado de ver.
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- Isto não foi nada! – retrucou Cirus com impaciência – E escute aqui mocinha, você sabe muito bem o que eu penso quanto a usarmos este tipo de artifício em pessoas normais, não?
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- Eu sei mano, eu sei... – respondeu Angel, massageando as têmporas com as pontas de seus dedos. – Você sabe que eu também odeio ter que fazer isto... Mas hoje era necessário.
.
Sem trocar uma única palavra, os dois bufarão em uníssono e seguirão a velha enfermeira encarquilhada por um longo corredor que se estendia ao lado esquerdo do Hall de Entrada da casa de repouso. Não perdendo tempo, acompanhei Cirus e Angel a uns dois passos de distância, repassando mentalmente o que havia acabado de acontecer – ainda não sabendo ao certo se o momento realmente existira ou se não passava de um mero delírio de uma mente já à tempos não muito sã.
.
De qualquer forma, me peguei imaginando como tia Angelina havia conseguido induzir a recepcionista a fazer o que ela queria. Pois, sendo a minha imaginação ou não, ela havia usado um dom de Arcano que eu desconhecia e que meu pai não aprovava – o que significava que eu tinha que aprender a fazer aquilo de alguma forma.
.
- Por aqui, por favor – sibilou a senhora, apontando para uma longa escada em caracol, seus olhos aquosos ainda fixos e abobalhados.
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Em completo silêncio, nós quatro rodopiamos até o topo, desembocando em um pequeno patamar retangular – suas pareces brancas cheias de rococós e cobertas de cima à baixo por vasos abarrotados de grandes e luxuriantes margaridas.
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- Este é o quarto dela – disse a recepcionista, caminhando em passos lentos na direção da única porta presente no lugar, enquanto recolhia com dificuldade uma pequena chave do molho em suas mãos – Vocês têm meia hora... Entrem.
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Sem o menor interesse no que iria acontecer, a mulher saiu da frente para podermos passar e fechou a porta atrás de nós com um ruidoso click. Um segundo depois, me vejo parado à entrada de um loft espaçoso e muito bem iluminado. Basicamente, o que imperava ali era o antigo, com direito a pé-direito alto, ornamentos em gesso e piso tipo piquê, rodeado de janelas longas e estreitas por todos os lados.
.
Seria um quarto típico para uma princesa se não fosse por um pequeno detalhe: o toque pessoal da própria Suzana N. Leniscky.
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- Mas o que esta garota tem na cabeça?! - sussurrou Angel, seu rosto não escondendo nem um pouco a indgnação que sentia pela decoração implantada pela dona do lugar - Ela simplesmente acabou com isto aqui...
.
O que não deixava de ser verdade.
.
Afinal, a grande cama de dossel que se encontrava no meio do loft parecia não ver uma arrumação à séculos; amontoado-se pelas paredes, dezenas e mais centenas de ilustrações sombrias e macabras de caveiras, monstros obscuros e símbolos esquisitos se agrupavam uma em cima da outra como folhas mortas no outono - isso sem falar na figura solitária e magricela que se encolhia em uma pequena poltrona rosa no canto mais escuro do quarto.
.
- Hum... então essa é a noiva do demônio.
.
- Angelina! - exclamou Cirus, claramente constrangido pela situação em que se encontrava. - Será que você poderia ser um pouco menos rude, e expressar as suas opiniões um pouco mais baixo?
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- Ah, mas nem à pau! - cuspiu minha tia, cruzando os braços com força por sobre o peito - A doida aqui simplesmente d-e-s-t-r-u-i-u o quarto dos sonhos de qualquer garota no mundo inteiro... Já são menos 15 pontos contra ela!
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- Menos 15 pontos?! A coitada foi internada em uma Casa de Repouso...
.
Fazendo questão de ignorar os resmungos raivosos e as farpas trocadas por meu pai e Angel, me aproximei demoradamente da namorada de Alexander Morton, observando estupefado o estado atual da garota.
.
Assim como o quarto que ocupava no Hospital Psiquiátrico de Santa Fé, Suzana N. Leniscky um dia fora bonita. De longos cabelos prateados e grandes olhos azuis, sem dúvida alguma a menina deveria parar quarteirões no seus tempos aureos. Querem saber um detalhe assustador nisto tudo? Seu porte físico era muito parecido com o de minha tia. Porém, enquanto uma exalava joviedade e simpatia, a outra dava a impressão de estar se preparando para encarnar a Morte em alguma produção teatral de grandes proporções.
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- Er... Senhorita Suzana - murmurei, não sabendo muito bem por onde começar - Será que podemos conversar?
.
Por um longo espaço de tempo, não obtive resposta alguma... E já estava prestes a desistir de qualquer contato quando, finalmente, a jovem desgrudou os olhos imensos do livro grosso e mofado que segurava com força em seu colo e se voltou para mim, como se tivesse acabado de perceber a minha presença em seu quarto.
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- Quem são vocês? O que estão fazendo aqui?
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A típica pergunta. Para minha sorte - antes que eu respondesse qualquer besteira - Cirus e Angel haviam parado de se comportar como dois pré-adolescentes e se postaram ao meu lado, obrigando a jovem a dividir sua atenção em nós três.
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- Olá, Suzana - cumprimentou meu pai, da forma mais afável possível, se agachando perto da poltrona rosa e ficando na linha de visão da garota - Eu me chamo Cirus, e estes são o meu filho Adrian e minha irmã Angelina... Nós estamos aqui por que descobrimos pelo o quê você anda passando ultimamente e gostaríamos de oferecer a nossa ajuda.
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- Que tipo de ajuda? - perguntou Suazana, obviamente entrando no estado de ''defensiva-agressiva'' - O que vocês pensam que sabem sobre mim? Eu não chamei ninguém... Não preciso de ninguém!
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- É, dá para notar isto à quilômetros - disse Angel, a impaciência crescente e visível à cada segundo - Mas não é toda garota que tem o privilégio de receber continuamente as visitas do namorado morto, não é mesmo?! Me diz aí, qual é o seu segredo?
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Se antes Suzana estava doentiamente pálida, agora ela ficara mortalmente lívida. Por um instante, pensei que ela iria arrancar o rosto de Angel usando apenas as suas unhas compridas e mal cuidadas, mas tudo o que a jovem fez foi segurar com ainda mais força o livro velho que tinha nas mãos e se levantar da poltrona, andando imperiosamente até sua cama antiga e desarrumada - o mais longe o possível de onde estávamos.
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- Eu não sei do que você está falando - disse ela por fim, fazendo questão de não nos olhar no rosto. - Acho que estão cometendo um grande engano.
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- Ah, não estamos não! - exclamou Angel, com direito a um leve bater de pernas irritadiço - Você sabe sobre o que estamos falando, e não vai adiantar nada tentar proteger aquele demônio que se passa por seu amiguinho... Nós vamos pegá-lo, ou não me chamo Angelina Regis!
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- Nossa... você é uma louca mesmo, não?
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E com aquela simples frase, Suzana N. Leniscky ativou uma verdadeira bomba atômica.
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- Mas do quê você me chamou?! - antes que pudéssemos fazer qualquer coisa, Angel pulou sobre a garota como um gato e a empurrou com toda a sua força contra o colchão emaranhado - Não sou eu que estou presa em um Hospital Psiquiátrico!... Não sou eu que ando tendo encontro secretos com um namorado-demônio!... Quem é a louca aqui? Quem?
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- Tudo bem! Tudo bem! Eu falo o que vocês quiserem... - gritou Suzana, entre uma e outra sacudida que levava - Mas tirem essa garota de cima de mim!
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2ª PARTE
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Em um milessegundo, Cirus e eu tiramos Angel de cima da garota e a empurramos na direção da poltrona rosa. Respirando com força, minha tia olhou com satisfação para as duas marcas arroxeadas que haviam ficado ao redor do pescoço pálido e mascilento de sua oponente, as mãos ainda se contorcendo como se fossem garras - prontas para voltarem ao trabalho no menor sinal de descuido meu ou do meu pai.
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- Aonde você estava com a cabeça? - berrou Cirus, uma veia grossa e feia saltando bem no topo de sua testa.
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- Ninguém me chama de louca e fica impune - comentou Angel, calma e friamente, seus olhos azuis ainda fixos na direção de Suzana - Nem mesmo se esse alguém estiver sob cuidados médicos...
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- Acho que todos deveríamos nos acalmar - eu disse por fim, olhando para todos com extrema cautela.
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Durante alguns minutos, tudo o que nós quatro fizemos foi apenas respirar. Se antes eu achava que aquele dia não ia dar em nada, agora eu tinha absoluta certeza. Tentando recolher um pouco do leite derramado, Cirus se aproximou cuidadosamente de Suzana e a encarou, seu corpo encobrindo de maneira estratégica a visão que a garota teria de minha tia descontrolada sentada à poucos metros de distância de sua cama.
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- Pode parecer algo estúpido para se dizer agora, mas começamos com os dois pés esquerdos.
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- Eu concordo plenamente - resmungou Suzana, os braços longos e finos apertados com força sobre o peito - Porém eu concordei que iria responder o que vocês quisessem, e é isto que vou fazer.
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Atrás de nós, Angel soltou um moxoxo alto de descrença.
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- Tudo bem - continuou a garota, fazendo questão de ignorar a grosseria de minha tia - Antes de qualquer coisa, eu gostaria de saber uma única coisa... Como vocês descobriram o que está acontecendo com o Alex?
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Não havia acusação na voz de Suzana, apenas curiosidade. Tudo bem, seus olhos brilhavam loucamente e sua boca se erguia em um leve sorriso doentio, mas no fundo era apenas curiosidade.
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- Hum, digamos que nós somos... ''especialistas'' em assuntos sobrenaturais - respondeu meu pai, sendo o mais sucinto (e vago) o possível - Mas, não querendo ser grosseiro, eu gostaria de ser um pouco mais direto...
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- E com isto ele quer dizer ''ir logo ao assunto'' - disse Angel ao nosso lado, já recuperada de seu ataque, apesar de ainda irradiar uma fúria austera e gélida pelo ar ao seu redor - Será que você poderia nos dizer quando foi o seu primeiro encontro com Alexander Morton... depois que ele morreu?
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Meneando a cabeça em aceitação, Suzana colocou o livro que ainda segurava de lado e nos encarou de forma deliberada, seu sorriso torto se aprofundando em um estado de profunda satisfação; obviamente, entrar em uma conversa sobre o seu namorado ''fantasma'' era um prazer para ela.
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- Ah, o Alex... Sabiam que eu estava falando com ele quando aconteceu o acidente? - disse a garota sonhadoramente, seu corpo frágil parecendo vibrar de excitação - O doido conversava comigo enquanto dirigia o carro.
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- Ele.. ele... estava com você no telefone quando... morreu? - perguntei, sentindo um gosto forte de bile começar a subir pela minha garganta - Sobre o que ele dizia?
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- Nada demais... Só me pediu em casamento - respondeu Suzana, avaliando as grossas camadas de cutículas em suas unhas - Mas é claro que eu não o levei a sério, o cara estava completamente chapado! Ficava repetindo que aquele era ''o melhor dia da vida dele'', e que ''não via a hora de invadir o meu cobertor'' e ''brincar comigo''...
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- Sim, claro - suspirou Cirus, ficando genuinamente vermelho pelo último comentário da garota - Porém, o Alexander por acaso te disse o por que de tanta alegria naquela noite?
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- Ele estava comemorando - continuou a garota, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo - Ao que parece, o tutor do estágio dele iria chamá-lo para se tornar fixo no hospital...
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- O Dr. Biel?
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- É, esse cara mesmo - disse Suzana, como se eu tivesse acabado de insultar a mãe dela - Não é engraçado que, no mesmo dia em que ele ofereceu o emprego dos sonhos para o Alex, os merdinhas dos filhos dele tenham feito o favor de matar o meu namorado?
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Não, eu não achava nem um pouco engraçado.
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E confesso que tive que me controlar bastante para não dar uma de minha tia e avançar em cima daquela idiota naquele instante. Sim... pois o estúpido do Morton é quem pega no volante mais alto do que uma girafa, e a culpa de tudo é dos gêmeos; fazia todo o sentido.
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- Mas a vida é feita de momentos engraçados - prosseguiu a menina, seu par de olhos azuis fixos em mim, sua voz soando cada vez mais amarga - Em um minuto, estou recusando pela décima oitava vez o pedido de casamento dele; no outro, tudo o que eu escuto são pneus de carro cantando e o barulho de metal se espatifando no asfalto...
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Nem Cirus nem Angel trocaram palavra alguma.
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Todos sabíamos que aquele era o grande momento de Suzana N. Lenisky. Ela iria desabafar tudo o que escondeu para si própria nos últimos dois meses... E nós finalmente iríamos entender, por menos que fosse, a obsessão vingativa de Alexander Morton por Líon e Serina Biel.
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''Eu nunca gritei tanto quanto naquela noite...
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CONTINUA

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Capítulo 13 - O Despertar

Era noite, e o bosque estava escuro como breu. O topo dos grandes eucaliptos se escondiam no infinito negro à minha cabeça, e uma névoa fina e rastejante impregnava-se no musgo aos meus pés, formando um imenso oceano verde e branco.
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Eu sabia que estava na Reserva Florestal de Ventura.
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Tudo naquele lugar, desde as árvores até o formato das elevações do terreno mais à frente, me eram familiar. O que não sabia, na verdade, era o que eu estava fazendo ali, parado no meio do nada.
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- Achei que nunca chegaria... - sussurou uma voz feminina, clara e musical, bem atrás de mim.
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Sobressaltado, virei-me com pressa, preparado para atacar o que estivesse à espreita. Só não contava encontar com Serina, sentada tranquila sobre as raízes de um imponente eucalipto, os cabelos cor-de-chocolate ondulando ao seu redor. Mesmo nas sombras, sua pele morena irradiava um brilho dourado e quente, intensificado pelo belo vestido marfim que usava.
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- Eu...eu... eu não esperava lhe encontrar aqui - respondi, mal disfarçando minha surpresa.
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Sem se deixar abalar pelo meu mau jeito, a garota se levantou da base da árvore com tal leveza que me pareceu que ela nem havia feito algum esforço. Antes que eu pudesse pensar em alguma coisa, Serina já estava diante de mim, seu rosto angelical apenas à centímetros de distância do meu.
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- Você é bonito - disse ela simplesmente, erguendo a mão direita com delicadeza e acariciando minha face.
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Não posso descrever com palavras tudo o que senti naquele momento. Para falar a verdade, acho até que não tenho coragem de contar algumas coisas que pensei quando ela me tocou. O que eu posso dizer é que meu corpo reagiu das maneiras mais estranhas... Meu coração disparou como cavalos em uma corrida, meu sangue ferveu como se eu ardesse em febre e minha garganta se fechou - me obrigando a respirar por um breve e lento arquejo.
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- Me desculpe - murmurei, enquanto ela continuava a explorar o meu rosto com as mãos. Para meu espanto, Serina aproximou-se mais um passo de mim e encostou a sua bela cabeça em meus ombros.
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Foi aí que entrei em parafuso.
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Quase que tomado por uma força sobrenatural, apertei a garota firmemente entre os meus braços e mergulhei o meu nariz na base suave e perfeita de seu pescoço. Com um profundo suspiro, inspirei todo o perfume adocicado que sua pele castanha exalava, correndo os meus dedos com cuidado pelos seus cabelos e por suas costas.
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E assim ficamos os dois, por um tempo que me pareceu uma eternidade... até que toda a cena mudou em um piscar.
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A névoa, que antes era alva e rasteira, começou a se elevar perigosamente - ganhando um mórbido tom de chumbo. Um vento frio e úmido vergastou os nossos cabelos, ao passo que a estranha sensação que eu havia sentido à um mês na piscina da Constantine começou a tomar conta do meu corpo novamente.
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Rápido como um relâmpago, coloquei Serina sob a proteção de minhas costas e me agachei, me preparando para o ataque que estava por vir. Mesmo sem poder vê-la, eu sabia que a garota deveria estar congelada no lugar - suas mãos, apoiadas em meus braços, estavam gélidas e escorregadias.
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- Não se preocupe, vai ficar tudo bem... - disse em um tom baixo, mesmo sem ter plena convixão do mesmo.
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Vasculhei a floresta à minha frente, procurando por qualquer sinal da coisa que se aproximava. Mesmo forçando os meus olhos ao máximo, eu não enxergava nada a não ser as árvores e a neblina. Aquilo não me tranquilizou. Mesmo não o vendo, eu sentia que havia algo por ali, espreitando a mim e a garota - só esperando o momento certo para aparecer.
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E ele apareceu... mais cedo do que eu esperava, e muito mais rápido do que eu julgava ser capaz.
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Surgindo em meio a neblina, Alexander Morton emergiu do espesso mar branco-pérola, caminhando lentamente na direção da campina em que eu e Serina estávamos. O rapaz trajava apenas uma velha calça de brim preta e seus cabelos ruivos ricocheteavam no alto de sua cabeça como violentas chamas vivas. Os seus olhos, negros e com as pupilas dilatas iguais à de uma fera em caça, transmitiam uma frieza perversa que destoava por completo do rosto bondoso; um verdadeiro lobo na pele de cordeiro. Muito mais fatal e cruel.
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- Quem é ele? - perguntou Serina, sua voz cantada tomada de pânico.
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- Não tenha medo... Tudo vai se resolver.
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Ao escutar nosso pequeno diálogo, o demônio parou e inclinou a cabeça para o lado. Seu rosto estava impassível, livre de qualquer expressão. A esta altura, eu já podia imaginar o que estava para acontecer. Com um último impulso, me afastei brevemente de Serina, colocando-me mais à frente - dando uma chance, por menor que fosse, para a garota escapar.
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Por um minuto, ficamos parados - apenas nos encarando. Eu sabia que o momento do ataque estava para chegar. E também sabia que ele seria letal. Assim, quando o ser se agachou, pronto para dar o bote, eu respirei fundo. Era o meu fim, e não via como poderia terminar de outra maneira. Sem pestanejar, Morton lançou-me um último sorriso e saltou - tão alto como um gato e tão rápido como uma pantera.
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Não pensando em nada, fechei os meus olhos, me preparando para a dor que viria me atingir... E ela veio. Menos penosa do que eu podia supor, e muito mais gelada.
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Despertei enroscado no meu cobertor e estatelado de cara no chão. Minha cabeça martelava devido ao impacto da queda e os meu tórax ardia com a falta de ar. Com os dentes cerrados, inspirei profundamente e tentei me recompor. Sem paciência alguma, puxei o lençol que me enrolava com força e o joguei em cima da cama. O quarto ainda estava escuro, e a rua lá fora não emitia um barulho sequer.
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Acordado na madrugada de novo. Quanta novidade.
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Ainda sentindo o meu corpo, me apoiei desengonçadamente na janela e me pus a observar a cidade. Diferente das outras noite, o céu estava nublado, coberto por nuvens macabras de cores esverdeadas. Os velhos edifícios pontiagudos do centro recortavam a paisagem de um jeito nem um pouco acolhedor. E ao fundo, os imensos eucaliptos nas encostas das colinas agitavam-se furiosamente contra o rotineiro vento ártico.
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Sem pensar em nada, fechei a janela contra a friagem que invadia o meu quarto e me virei na direção da cama. Mesmo tendo uma visão apurada no escuro, não consegui evitar o encontrão que dei na escrivaninha. Com o solavanco inesperado, todas as coisas que estavam sobre a mesa se esparramaram no piso do quarto, me obrigando a me abaixar e arrumar tudo.
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Bufando de contrariedade, peguei a maioria dos papéis, meu player de mp3 e a luminária desligada e empurrei tudo de uma vez só para o tampo do móvel. Quando me preparei para guardar as folhas novamente dentro da pasta onde deveriam ficar, me deparei com o desenho de Serina que eu havia feito assim que as aulas começaram.
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Ao olhar para o rosto no papel em minhas mãos, senti o meu estômago despencar. Desde a segunda feira retrasada, quando o corpo de Omar Santin foi encontrado boiando no meio da piscina olímpica do Pavilhão de Torturas, eu não tive mais notícias dos gêmeos.
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Confesso que no começo achei que esta havia sido a melhor forma dos dois lidarem com os acontecimentos - afinal, não se falava em outra coisa nos corredores da escola (pelo visto, eu era o único em toda a cidade que não sabia dos motivos da mudança de Líon e Serina para Ventura), e vez ou outra eu reconhecia um repórter-abutre rondando a porta de entrada do Dr. Biel e sua família atrás de um furo jornalístico.
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Mas depois de uma semana, quando a poeira - e as fofoquinhas infantis - finalmente começou a baixar, vi que a auto-reclusão obrigatória planejada pelos dois não era nem um pouco temporária.
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- Eles estão bem, Adrian - falava a mãe dos garotos, toda vez que eu ligava para a casa dos irmãos em busca de algum sinal de vida - Só precisam de um pouco de descanso... Não precisa se preocupar.
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''Tarde demais'', eu resmungava, assim que recolocava o aparelho no gancho. A questão na verdade era que eu, enfim, havia despertado - e a cada dia que passava, via com mais clareza o perigo real que Alexander Morton representava.
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Contrariando todas as expectativas, ele tinha plena consciência dos poderes que estava ao seu dispor; aparecera para um ser humano comum, quebrando todos os protocolos e paradigmas; dera cabo de um homem, da forma mais cruel possível - e ao que parecia, não iria sussegar (ou deixar ser apanhado por um Arcano em Treinamento) enquanto não superasse a sua morte...
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... enquanto não se vingasse de Líon e Serina.
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Com a cabeça cheia de temores e preocupações, meu humor na semana seguinte decididamente foi para o buraco. Mesmo depois de descobrir um homem morto dentro do campus restrito e vigiado da Constantine, as pessoas (principalmente os alunos) não pareciam mais se perturbar tanto com o assunto.
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Se antes o tom da conversa girava em torno de perguntas do tipo ''quem será que colocou o taxista aqui na Constantine, e por quê?'', agora o burburinho era sobre futilidades como ''que tipo de fantasia eu devo usar na festa de Formatura?'', ou ''Será que a minha gata vai deixar eu ir para a faculdade virgem?''.
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Acredite, não inventei nenhuma das pérolas citadas.
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O ápice da minha impaciência ocorreu na sexta-feira, pouco antes das aulas acabarem. Daniel e eu guardávamos o nosso material na mochila (o capitão da equipe de Lutas ocupava o lugar que rotineiramente era de Líon), quando Oliver Nigro se aproximou de nós, mais magro e pálido do que nunca.
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- Ora, vejam só - resmungou o rapaz ao meu lado, assim que peecebeu a presença do filho do Dir. Nigro - a que devemos a honra de receber a visita do Rei da Academia Constantine?
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Por um segundo, pensei que Oliver fosse responder à Daniel com a sua grosseria costumeira - mas, para minha surpresa, tudo o que ele fez foi esboçar um sorriso apático para o capitão e levantar as duas mãos, em sinal de rendição.
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- Calma aí, amigão... Vim em missão de paz!
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''Missão de Paz''? Esse cara só podia estar querendo tirar um sarro da minha cara...
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Antes que eu desse por mim, uma risada sarcástica e grotesca escapou da minha boca, paralisando no lugar o restante da turma que ainda se retirava da sala de aula. Impassível, Oliver me encarou demoradamente, seu rosto congelado em uma expressão sombriamente divertida que (não sei por que motivo) me fez tremer por dentro.
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- Como eu estava dizendo - continuou o rapaz, sem tirar aquele olhar estranho de cima de mim - vocês devem saber que o Baile de Formatura está se aproximando, não?
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Eu me controlei para não responder. É claro que nós sabíamos disso - se a pessoa fosse surda o suficiente para não escutar o burburinho pelos corredores, bastava olhar para as dezenas de flâmulas e cartazes coloridos espalhados estrategicamente pela escola.
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- Sim... E o que nós dois temos a ver com isso? - perguntou Daniel, tirando as palavras da minha boca.
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Sem pestanejar, Oliver abriu o seu paletó e tirou de um bolso interno dois folders impressos em papel vermelho, do mesmo tom usado nos materias de circulação interna da Academia.
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- É que, para alguns, existe um evento muito mais esperado do que o Baile organizado pela escola - o filho do dir. Nigro olhou para os lados e diminui o seu tom em duas oitavas - e, cai entre nós, não estou falando do última dia de aula!
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Por um breve momento, o capitão da Equipe de Lutas e eu trocamos uma significativa mirada. Só a idéia de estar tendo uma conversa ''conspiratória'' com Oliver me causava arrepios... Ainda mais agora, quando o rapaz decididamente resolvera explorar o seu lado mais sombrio.
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- Você ficou maluco?! - esbravejou Daniel, picotando rapidamente o fôlder em sua mão e pegando a mim e ao líder dos Privilegiados de surpresa - Se o seu pai te pega com isso, eu nem quero estar perto para saber o que vai acontecer!
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- O que Arthur Nigro não sabe, não precisa saber - retrucou Oliver, deixando transparecer em sua voz uma ligeira ponta de amargura - Além do mais, a festa vai acontecer fora do campus da Constantine...
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- Hei, do que vocês estão falando? - interrompi, me sentindo mais perdido do que um escoteiro no meio da cidade - E que história é essa de festa?
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Com um movimento rápido, Daniel puxou o encarte remanescente da minha mão e o elevou na altura do meu rosto. Depois de um minuto de leitura, meu estado de espirito estava tão alterado quanto o do garoto ao meu lado.
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- Vocês estão planejando uma ''Festa dos Veteranos''? - perguntei, não acreditando no que estava escrito no papel.
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Em resposta à minha exaltação, tudo o que Oliver fez foi se virar novamente para mim e me lançar aquele olhar estranho.
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Oras, como ele esperava que eu reagisse?
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A Festa dos Veteranos nada mais era que uma espécie de preparação para o Baile de Formatura não supervisionada, onde os estudantes tinham a oportunidade de se esbaldarem até o dia raiar, entornando litros e mais litros de álcool e fazendo coisas que não fariam nem em sonhos na frente do pais.
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Acho que nem preciso me dar ao trabalho de dizer que este evento era terminatemente abominado pela Junta de Pais e Mestres da Academia Constantine - com direito a suspensão registrada na ficha escolar em todo aquele que ousasse pensar em realizar a festa.
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Mas é claro que para Oliver e todos os seus seguidores Privilegiados, esta regra não passava de uma lenda.
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- Só queria deixar claro que eu informei pessoalmente todos os alunos do último ano sobre essa nossa ''reunião'' - dessa vez, toda a simpatia e humor que Oliver havia usado até então foi substituída rapidamente pela sua usual ameaça jovial - Então, se alguém der com a língua nos dentes, eu e meus amigos saberemos exatamente quem foi.
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Aquilo foi a gota d'água.
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Se já não bastasse ter que me preocupar todos os dias com os planos malignos de um jovem demônio perseguidor, agora tinha que também ter o cuidado de não estragar a bacanal proibida dos alunos do último ano... Quem eles pensavam que eu era?
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- Acho que você se esqueceu da nossa última ''conversa''! - explodi, o sangue pulsando em minhas orelhas.
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- Não me esqueci não - o filho do Dir. Nigro se aproximou de mim de forma ameaçadora, nós dois separados apenas pelo espaço ocupado por Daniel Maltha - E é justamente por isso que estou lhe avisando...
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Antes que eu pudesse pular em seu pescoço, Oliver girou sobre os calcanhares e deixou a sala de aula, seu cabelo louro ressecado furstigando à brisa do início da tarde e seus ombros caídos, como se carregasse sobre si todo o peso do mundo.
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Era engraçado, mas mesmo eu estando ali no meu quarto, um dia inteiro depois desse nosso encontro, aquela vontade louca de esganar meu ''arqui-inimigo de colegial'' ainda não havia passado - e dessa vez eu nem podia colocar a culpa em Alexander Morton por isso.
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- Problemas no paraíso?
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Depois de quase dar um mortal de costas pelo susto, me virei rapidamente na direção da porta e vi tia Angelina parada na soleira do meu quarto, vestindo um leve hobe de seda rosa sobre seu pijama de mesma cor, os cabelos prateados firmemente presos em um rabo de cavalo.
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- Escutei um barulho - disse ela, apoiando-se na parede com seu jeito displiscente - vim ver o que era.
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- Não... não foi nada - me apressei a dizer, guardando o desenho de Serina em minha pasta - só ''coisas da escola'', sabe como é...
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- Sim, acho que sei - num piscar de olhos, Angel moveu-se da entrada do meu quarto e foi até a beirada da minha cama, onde o folder vermelho da Festa dos Veteranos jazia incólume - E aí, preparado para amanhã?
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Sinceramente, não sabia o que responder.
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Desde de segunda feira, quando por fim eu abri os olhos e descobri toda a verdade sobre a história por detrás da vinda dos irmãos Biel à Ventura, a coisa que eu mais queria fazer era me encontrar com Suzana N. Leniscky e interrogá-la de todas as formas possíveis para poder saber como Alexander Morton apareceu para ela, e o que ele poderia estar tramando. Porém, agora que faltava poucas horas para a nossa visita à Casa de Repouso, eu não sabia muito bem o que fazer por lá.
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- Será que esta é uma boa idéia? - perguntei, uma estranha sensação de vazio se apoderando da boca do meu estômago.
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- Esta é uma ótima idéia - respondeu Angel com simplicidade - Além do mais, você quer que algo de ruim aconteça com o seu amigo? Quer que este tal de Morton consiga aprontar alguma coisa com a Serina?
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- É claro que não! - exclamei, minha voz mais feroz do que o necessário.
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- Então está esperando o quê para ir dormir?!
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Aceitando o conselho com determinação, guardei minha pasta de desenhos na gaveta da minha escrivaninha, puxei os lençóis que estavam espalados pelo chão e me esgueirei para cima da cama, as molas do colchão protestando ruidosamente sob o peso do meu corpo. Minha tia estava certa; eu estava em uma missão... Uma missão cujo o prêmio nada mais era do que a salvação de duas pessoas que haviam deixado o meu mundo de cabeça para baixo. Não havia tempo para eu ter um ataque de ''dilemas adolescentes''.
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- Angel - sussurrei, me dando conta de um detalhe somente quando me encolhi debaixo da proteção e do calor dos meus cobertores - Por que você deu dois pesos diferentes para a situação do Líon e da Serina?
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- Bom, acho que todos nós sabemos muito bem o por quê... - foi tudo o que ela disse quando apagou a luz do corredor e se retirou elegante e graciosa do meu quarto, um sorriso conspiratório lhe tomando a face.
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PS: Pessoal, desculpa a demora por um novo capítulo, de verdade... O mês de abril foi muito tumultuado para mim, cheio de coisas para resolver (muitas delas positivas) e acabou que eu deixei a revisão do livro um pouco de lado - mas prometo não fazer mais isto, tudo bem?  - Henri   '')

sexta-feira, 19 de março de 2010

Capítulo 12 - Arquivo Morto

- Não me mande ficar calmo! - bradou o Diretor Nigro, no auge do seu descontrole - Um homem foi encontrado morto na piscina da minha escola! O que esperava que eu fizesse?
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- Eu não esperava nada... - respondeu o Delegado Maltha, sua voz baixa e cautelosa - só gostaria que o senhor mantivesse um pouco de compostura na minha Delegacia, se é que posso lhe cobrar isto.
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Qualquer que fosse a resposta que o Dir. Nigro esperava, certamente não era aquela. Com um suspiro forçado, ele encarou por um segundo o homem de olhos verdes por detrás da mesa atravancada de papéis à sua frente e começou a caminhar de um lado para o outro no pequeno escritório - parecendo mais do que nunca um velho leão sufocado em uma jaula estranha.
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Líon, Serina e eu havíamos tido o prazer de presenciar uma verdadeira Disputa de Poder, no melhor estilo ''o meu é o maior''... E pelo o que eu conseguia entender, o pai de Daniel tinha acabado de levar a melhor. Mas, por mais interessante que aquele duelo de egos poderia parecer, eu não estava nem um pouco interessado.
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Nós três já estávamos presos naquele escritório pequeno e escuro à mais de quatro horas, tive que prestar depoimento para o escrivão no mínimo umas duas vezes, meu cérebro latejava forte contra o meu crânio e tudo o que eu queria era ir embora dali o mais rápido possível.
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Não fazia sentido eu ficar parado, esperando, sem fazer nada... A polícia simplesmente não tinha meios, nem era páreo para pegar o verdadeiro culpado. Somente um Arcano poderia deter o assassino das sombras; somente eu tinha que acabar com a raça daquele demônio ruivo.
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Alheia à confusão que se passava em minha cabeça, Serina tentava se manter calma respirando com força - sua cabeça recostada pesadamente no ombro de Líon, enquanto sua mão esquerda segurava firme a minha mão esquerda. Se eu não soubesse o motivo por detrás daquele gesto, eu teria amado a sensação de sua pele contra a minha, de nossos braços se tocando levemente...
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Mas eu sabia. Muito mais do que os gêmeos poderiam suspeitar. E aquilo me matava. Afinal, como algo tão ruim pode acontecer com pessoas tão boas?
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Do outro lado do sofá apertado que dividíamos, o novato mantinha o seu olhar perdido, as mãos pálidas acolhendo com energia um livro atarracado e grosso de capa dura. Pode parecer maluquice, mas foi só neste momento específico que percebi que Líon sempre vivia colado com algum livro, o carregando para cima e para baixo. E aquela deveria ser a terceira ou quarta vez que eu o via com o mesmo - um magnífico exemplar negro, sua cobertura ostentando uma bela e imponente borboleta, posicionada logo acima das letras douradas do título O Intercessor.
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- Ótima capa - sussurrei, me agarrando à idéia de uma conversa sadia e fútil com todas as minhas fibras - Pelo título parece ser bom...
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Líon ergueu seu olhar abatido para mim e se forçou a sorrir, seu rosto mais velho do que ele realmente era.
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- É fantástico - disse ele de volta, sua voz mais fraca do que a minha - Com certeza está entre os meus dez preferidos.
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- Legal - comentei, espiando de relance o caminhar imperativo do Diretor Nigro - Então, ele fala sobre o quê?
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Com um riso apagado e baixo, Serina tirou a cabeça lentamente do ombro do irmão e me encarou, sua mão pulsando marotamente contra os meus dedos.
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- Você vai ser arrepender de ter feito essa pergunta - cochichou a garota, indicando seu gêmeo com o queixo - Li é a maior ''traça-de-biblioteca'' que eu já conheci na vida, pode confiar em mim.
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Antes que ela percebesse, Lion se sacudiu e empurrou a irmã para o lado, tentando se afastar dela. Em um dia normal, eu teria certeza que aquela havia sido uma implicância comum entre os dois, mas hoje não. Era visível o nosso esforço para parecermos naturais, e eu não os culpava por isso - eu mesmo me esforçava para parecer o mais natural possível.
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- Como eu estava dizendo - continuou o novato, fazendo questão de excluir a garota da conversa - O livro é um romance, mas de fantasia. Ele conta a história de um Agente da Morte que se apaixona pela jovem de quem ele teria que recolher a Alma... Mas é claro que nada é tão simples quanto parece, e é aí que a história fica realmente boa.
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- Legal - repeti, tentando controlar a expressão que havia surgido em meu rosto assim que ouvi Líon dizer ''Agente da Morte''.
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Assim que me recostei novamente no meu canto do sofá, a porta do escritório foi aberta e um jovem policial se esgueirou para dentro, desviando-se da marcha metódica do Dir. Nigro, até se aproximar da mesa onde Delegado Maltha estava.
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- Senhor, os responsáveis das testemunhas já chegaram.
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- Muito bem - disse o delegado, retirando os olhos da papelada que examinava e se virando para o sofá onde os irmãos Biel e eu estávamos encolhidos - Agora já podemos tomar o depoimento dos gêmeos... garoto Regis, o senhor está liberado.
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Com um breve aceno de cabeça, me despedi de Líon e, depois de apertar um pouco mais a mão de Serina, acompanhei o policial para fora do escritório.
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Logo depois de cruzar a porta, um casal se aproximou de mim e tive que parar. Eles não eram pessoas conhecidas, mas eu sabia muito bem de quem eles eram pais. O homem era alto e forte, de cabelos cor-de-bronze cuidadosamente penteados e o rosto quadrado, porém bondoso. Já a mulher era um pouco mais baixa que ele, seu rosto redondo e delicado igual à de um anjo, a pele resplandecendo no mais perfeito tom de ébano.
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- Você é o Adrian Regis, não?
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Sem dar tempo para qualquer resposta, a mãe dos irmãos Biel me puxou para mais perto e me enlaçou em um longo e profundo abraço. Eu poderia ficar um pouco embaraçado com a situação, mas só naquele gesto eu conseguia sentir todo o amor e adoração que a mulher nutria pelos filhos fluir para mim. Um pouco atrás da esposa, o pai de Líon e Serina me examinava com inegável respeito, o agradecimento mudo presente em seu olhar.
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Mesmo depois de me separar do casal e observar os dois entrarem juntos no escritório do Delegado Maltha, a minha voz ainda não havia voltado. Agora que eu conhecia pessoalmente os pais dos gêmeos, eu mais do que nunca me sentia a maior fraude do mundo. Um Arcano completamente incompetente, que não conseguia nem lidar com um demônio Comum.
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Como eu iria me sentir se aquela família fosse destruída, por uma falha minha?
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O jovem policial que me aconpanhava indicou o caminho para a saída e eu o segui. Do lado de fora, Cirus e Angel me esperavam, meu pai ainda vestindo o uniforme da Brigada de Paramédicos. No início eu achei ótimo ter os dois ali, assim eu falaria logo tudo o que tinha para contar, mas depois de ver as expressões sérias tomando o rosto de cada um, não sabia mais se aquela era uma boa idéia.
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- Adrian, precisamos conversar...
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Eu não disse! Só por essa frase do Cirus eu sabia que vinha mais bomba na minha direção. E foi com esse peso no estômago que eu segui meu pai e minha tia até o estacionamento deserto e entrei relutânte no nosso Mustang vermelho.
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- Legal, podem acabar comigo de uma vez! - comecei, meu sangue correndo à mil por hora nas minhas veias - Mas eu só gostaria de lembrar que esta é a minha primeira Missão, logo eu...
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Não me dando chances de continuar a minha defesa, Cirus virou-se para mim do banco do motorista e jogou no meu colo uma pesada pilha de jornais e recortes velhos. Por um segundo, a única coisa que eu consegui fazer foi ficar olhando para o bloco de papel àspero em minhas mãos, me perguntando aonde o meu pai queria chegar. Era certo que eu esperava o maior sermão que alguém já temera receber na vida, mas aquilo com certeza não se enquadrava em categoria alguma de punição.
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- O que significa tudo isto?!
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- Apenas leia as notícias, está bem?
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Era isso, só ler as notícias... Isto estava ficando pior do que imaginava.
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- Será que você pode fazer isto um pouquinho mais rápido? - disse Angel, remexendo-se com impaciência no seu banco.
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- Tá bom, tá bom. Não precisa ficar irritadinha! - respondi com acidez, ao mesmo tempo que pegava o primeiro jornal da pilha.
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Antes mesmo de eu desdobrar a primeira página, o choque me atropelou feito um trem desgovernado. Encabeçando uma notícia de destaque, a foto de um rapaz ruivo e bonito, com profundos olhos negros, me encarava sorridente e meio debochado - como se soubesse o salto vertiginoso que o meu coração dera ao vê-lo ali.
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- Mas... mas... é ele! É o demônio que está tentando matar o Líon!
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- Sim, foi o que Angel e eu supomos - comentou Cirus, seus olhos cinzentos indo do papel nas minhas mãos até o meu rosto - Agora vá até a página seis e leia a matéria completa.
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Obedecendo à meu pai com um profundo temor, corri as folhas do jornal rapidamente e encontrei a notícia relacionada à manchete, meu dedos tremendo tanto que eu mal conseguia distinguir os parágrafos de forma correta:
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POLÍCIA DE DUMONT ENCERRA INQUÉRITO SOBRE ACIDENTE
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Depois de três semanas de intensa investigação, o 12ª Departamento de Polícia dos Três Estados finalmente concluiu o inquérito sobre o trágico acidente ocorrido na rodovia que liga as cidades de Ventura e Dumont, envolvendo dois adolescentes e um jovem universitário.
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''Não foi um caso exatamente complicado'', declarou o Detetive Élder Castel - responsável por conduzir o caso, ''mas haviam uma dúzia de fatores que precisavam ser concluídos, antes que déssemos fim aos trabalhos e reuníssemos os arquivos''.
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Segundo o relatório oficial, o incidente ocorreu na noite de Sexta Feira (21), pouco antes da meia-noite. De acordo com a perícia, o taxista Omar Santin (32 anos) realizava sua última viagem acompanhando os irmão Líon e Serina Biel (17 anos), quando os três foram surpreendidos pelo estudante de medicina Alexander Morton (24 anos), que dirigia o seu conversível importado na contra-mão e acima do limite de velocidade.
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''O exames laboratoriais confirmaram que Alexander ingeriu uma grande quantidade de álcool e drogas ilícitas antes de pegar o volante, o que contribuiu para o acidente e, obviamente, o rápido falecimento do mesmo'', afirma o Detetive Castel, salientando os fatores que causaram o óbito do universitário antes mesmo da chegada da primeira ambulância no local do acidente.
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Apesar de terem sofrido apenas ferimentos leves, fontes ligadas aos dois passageiros e ao motorista do táxi informaram que os sobreviventes estão constantimente recebendo consultoria psicológica de uma junta médica do Hospital Geral de Dumont. Procurados pela nossa equipe de reportagem, nenhum dos envolvidos no incidente quiseram prestar uma declaração sobre o encerramento do inquérito.
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Mesmo tendo terminado de ler a notícia, por um bom tempo eu encarei apenas o jornal na minha frente.
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Naqueles poucos segundos de silêncio, o meu sonho se materializou diante de mim e eu pude visualizar perfeitamente o taxista Omar Santin ao meu lado, concentrado na estrada com todas as suas fibras. No banco de trás, as risadas altas e alegres de Líon e Serina eram liberadas aos borbotões, os dois nem imaginando o que iria acontecer a seguir...
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- Adrian, você está bem?
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Angel me observava com cautela, seus grandes olhos azuis me escaneando da cabeça aos pés.
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Eu gostaria de dizer à ela que estava bem - que aquilo me dera forças para continuar a minha missão - mas eu saberia que era uma mentira. A verdade era que, a cada dia que passava, as coisas pioravam mais. Descobrir que uma parte do meu sonho fora real, que esse tempo todo eu ''via'' os irmãos Biel no meu subconsciente, só me deixou mais arrasado ainda.
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- Alexander Morton... então, esse é o nome do demônio assassino.
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Nem Cirus nem Angel falaram nada sobre o assunto. Só menearam a cabeça em concordância, todo o peso do mundo pairando sobre os dois. Eles nem precisavam se dar ao trabalho de esboçar qualquer reação ao meu comentário, eu estava cem por cento certo quanto a isto.
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Com um lampejo, me lembrei do meu primeiro dia de aula e de meu pai lendo o jornal na nossa cozinha, falando sobre a conclusão das investigações de um acidente em Dumont envolvendo jovens. Depois, a imagem do Dir. Nigro, engolindo todo o seu autoritarismo e tratando Líon da forma mais afável que podia, me encheu a mente - só para ser substituída depois pelo próprio novato, sozinho na enfermaria e me confidenciando os problemas pelo qual a sua família vinha passando nos últimos tempos.
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- Como pude ser tão imbecil?... Como pude ser tão obtuso com relação aos sinais que me rodeavam?
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Mais uma vez, nenhuma resposta oral.
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Agora eu percebia que o demônio, Alexander Morton, não estava perseguindo só o Líon - mas também Serina e o taxista, Omar. Alexander Morton queria vingar a sua morte... Se vingar das três pessoas que haviam sobrevivido ao seu acidente fatal, que ele mesmo provocara.
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Fora por isso que a família Biel resolveu se mudar para Ventura. Eles estavam tentando reconstruir suas vidas novamente, bem longe das lembranças daquele terrível dia. Só que eles não contavam que a lembrança principal não estava nem um pouco disposta a ser esquecida.
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- Angel - comecei, me lembrando de algo que minha tia dissera assim que chegou na Casa-de-Bombeiros - eram eles, não eram? A família que você estava tentando ajudar em Dumont, mas que foram embora antes de você poder fazer qualquer coisa.
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- Sim - confirmou ela, simplesmente - mas eu não fazia idéia que eram eles quem você estava protegendo. Só fiz a ligação dos fatos ontem de manhã, quando encontrei o jornal na garagem. Infelizmente, ao que parece, foi tarde demais.
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- Não seja ridícula - a cortei, mais ríspido do que o necessário.
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- Como não?... Eu não sabia da existência do taxista, nem imaginava que ouvesse um acidente na história! Para mim, Alexander só estava perseguindo a família Biel por uma obsessão doentia... O pai dos garotos era tutor dele na Faculdade.
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- O quê?! - gorlejei, a confusão mais uma vez fervilhando em minha mente.
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- Você pode não saber, Adrian, mas Marcus Biel é um renomado médico-cirurgião... - enquanto falava, Cirus se inclinou sobre mim e pegou a instável pilha de jornais em meu colo.
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- Há um mês ele pediu transferência para o Hospital daqui da cidade, e só agora me dei conta do por quê - depois de uma rápida conferida, meu pai estendeu sua mão e colocou um pequeno recorte sobre a notícia que eu acabara de ler - Essa matéria aqui fala justamente da grande ironia causada pelo acidente: Um dos estagiários mais brilhantes que o Dr. Biel monitorava no Hospital Geral de Dumont quase causou a morte prematura de seus dois únicos filhos.
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Eu olhei para a fotografia séria do pai dos gêmeos e me lembrei do nosso pequeno encontro na Delegacia, à poucos minutos atrás. Será que ele suspeitava que seu ex-protegido ainda estava tentando destruir a vida de sua família?
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- Eu não sei o que pensar - disse por fim, jogando tudo que eu segurava no chão do Mustang - Parece que estou mergulhando em queda livre para dentro de um grande filme de terror...
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- Então acho melhor você se preparar por mais - recomeçou Angel, sua voz cantada e cristalina repinicando misteriosamente - Ontem à tarde, enquanto procurava mais informações sobre o Morton, acabei descobrindo algo que pode nos ajudar...
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Abrindo o porta-luvas do carro, a garota puxou duas fotocópias amassadas e as passou rapidamente para Cirus e eu. Depois de uma rápida conferida na folha, percebi que o papel era a reprodução de um documento hospitalar, mais precisamente uma ficha de internação, no nome de ''Suzana N. Leniscky''.
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- Quem é Suzana N. Leniscky?
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- Ah, eu sabia que vocês iriam perguntar - Angel recostou-se em sua poltrona, e um tímido sorriso de triunfo brincou em seus lábios - Suzana N. Leniscky nada mais é do que a ''namorada-viúva'' de Alexander Morton.
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Cirus e eu nos encaramos por um breve momento.
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- Hum, claro - pigarreou meu pai, analisando mais um vez a ficha com afinco - Mas aqui não diz por que ela foi internada recentemente em uma ''Casa de Repouso''...
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Desta vez, eu consegui ligar os pontos mais rápido do que Cirus. Afinal, o que um responsável ''normal'' faria se sua filha chegasse em casa e falasse que estava tendo encontros esporádicos com o namorado morto?
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- Angel, acho que nós precisamos urgentemente conversar com Suzana N. Leniscky.

domingo, 7 de março de 2010

Capítulo 11 - Mensagem

Aquele foi o pior domingo da minha vida.
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Deitado na minha cama, repassei mentalmente todos os acontecimentos do dia anterior: O mergulho para o inconsciente, a visão do jovem demônio sobre mim, os rostos de preocupação me rodeando na Enfermaria da Constantine, a mão de Serina alisando os meus cabelos... Era como andar em uma Montanha-Russa de emoções.
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No meio da manhã, Daniel me ligou, perguntando como eu estava me sentindo. Ele parecia realmente preocupado, mas parte do meu cérebro se perguntava como ele havia conseguido o número do meu telefone.
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- Foi como o prof. Novaz explicou - disse eu, agradecendo em silêncio a boa desculpa que o socorrista da Academia tinha providenciado para mim - Com esse estresse do último semestre, a pressão para a Faculdade... Sabe como é, a gente acaba se alimentando mau e... resultou nisto. Desidratação.
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Eu sei, estava contando uma mentira deslavada. Não estava desidratado; nunca em minha vida eu havia deixado de comer por qualquer coisa e muito menos estava preocupado com a escola. Porém eu não podia simplesmente contar para ele o que de fato aconteceu.
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- É, eu seu como é - continuou Daniel, sua voz um tanto paternalista - Mas isso não pode se repetir! E se a Equipe de Lutas por acaso ficar desfalcada para as Regionais e precisarmos de um substituto? O que iríamos fazer?
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Precisei de meio minuto para enteder o que o rapaz do outro lado da linha estava me falando. E precisei de mais um minuto para compreender boa parte das três semanas que haviam passado.
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A aproximação repentina de Daniel e dos garotos da Equipe nada tinha a ver com os irmãos Biel. De alguma forma, o capitão e os outros rapazes descobriram o meu pequeno duelo contra Oliver Nigro e dois de seus cumpinchas mais habilidosos. E agora, para meu espanto, eles me queriam perto do time - como um verdadeiro reserva de luxo.
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- Eu... eu não sei o que dizer.
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- Não se preocupe com nada - disse Daniel - Apenas se cuide, valeu? Nos vemos amanhã na escola.
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Antes que eu me recuperasse da surpresa e conseguisse recusar o convite de forma gentil, a ligação acabou.
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- Ótimo... agora sim ferrou tudo - murmurei para mim, recolocando o aparelho no gancho e indo para a cozinha preparar o almoço.
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Como eu esperava, nem Cirus nem Angel estavam em casa. E, mesmo se estivessem, seria eu mesmo quem iria preparar a refeição de qualquer forma. Por isso, enquanto remexia na geladeira da cozinha procurando algo que fosse rápido e fácil, tudo o que eu fazia era pedir a Deus que nenhum integrante da Equipe de Lutas da Constantine se contundisse durante esse último semestre.
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Já estava bastante difícil de me concentrar só nas ações psicóticas de uma criatura das trevas vingativa. Acho que não precisava também de um processo por Lesões Corporais Graves para arruinar a minha vida.
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Foi pensando nisso que eu acabei me lembrando de Líon e Serina. Eu queria ligar para os dois, saber como eles estavam, mas sabia que seria esquisito se eu o fizesse. Segundo os últimos acontecimentos, era eu quem precisava de atenção, não os gêmeos. Perdido neste torpor, escutei a porta de entrada da Casa-de-Bombeiros ser aberta e os passos pesados de Cirus se aproximarem da cozinha, seu estômago roncando ruidosamente.
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- Hum, torta de queijo! - exclamou meu pai, pegando uma garrafa de água e se escorando no mármore da pia, onde eu preparava o almoço - E aí, garoto, como você está se sentindo?
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- Normal - respondi, olhando diretamente para o tabuleiro untado de mantega em minhas mãos.
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Cirus me encarou, esperando que eu continuasse a frase, porém eu não falei nada. Quando o meu pai me pegou ontem na escola, não comentei nada sobre o sonho que tive, o sonho que me fez desmaiar do nada. Entretanto, como sempre, ele sabia que eu estava escondendo algo dele. E como sempre, eu me sentia culpado por isso.
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- Onde está a Angel? - perguntei, tentando desesperadamente mudar de assunto.
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- Não sei - disse ele, levando mais uma vez a garrafa de água a boca - Hoje de manhã, quando estávamos na garagem, ela disse algo sobre ''repor nossos estoques''... Sabe como aquela menina é, no mínimo tá aprontando alguma coisa.
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Concordei com a cabeça, mas ainda assim não olhei para ele diretamente.
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Depois de alguns minutos, logo após eu ter colocado a massa da torta no forno para assar, Cirus de esparramou em uma cadeira e me avaliou, seus olhos cinzentos tão brilhantes quanto o flash de uma máquina fotográfica.
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- Será que já disse para você que eu te acho o pior mentiroso do mundo?
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Sentindo um arrepio na espinha, me virei para ele e suspirei, obrigando os meus lábios a falarem tudo o que eu estava ocultando desde a noite anterior.
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- O que aconteceu na escola não foi um desmaio clínico - disse por fim, o peso que estava sobre as minhas costas se agravando gradativamete - Algo me fez ficar inconsciente...
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- ... e eu acho que sei quem foi - completou Cirus, suas feições duras e sérias.
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- Pai, como isso é possível? - questionei, lutando para que minha voz mantivesse o tom calmo - Eu não sei o que ele está planejando, mas eu sinto como se estivesse enlouquecendo!
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- É esse o seu problema, Adrian - murmurou meu pai, se colocando ao meu lado em um átimo de segundo, seu braço esquerdo descansando de forma gentil nos meus ombros tensos - Você se deixa abalar facilmente. De cara ele percebeu isto, e está óbvio que o demônio está usando suas emoções ao favor dele.
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Mesmo eu não querendo admitir, Cirus estava coberto de razão ao meu respeito. Por isso que, depois de servir o almoço para nós dois (Angel ainda não havia aparecido) e arrumar a bagunça que tinha ficado na cozinha, fui para o meu quarto e me obriguei a pensar com clareza.
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Eu sabia que meu pai não iria me interromper pelo resto dia - domingo era o ''Dia de Total Reclusão'' dele - então não vi necessidade de trancar a porta.
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Durante a tarde inteira, e boa parte da noite, vaguei de um lado para o outro - forçando a mim mesmo a me controlar. Se aquela criatura estava pensando que iria usar meus próprios medos contra mim mesmo, ela podeira tirar o seu par de asinhas couráceas da chuva.
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Antes que desse por mim, a escuridão da madrugada se dissipou e os primeiros tons do alvorecer iluminaram o vasto céu aquarelado de Ventura. Fiquei um curto tempo sentado na minha cama, observando a constelação de poeira matinal atravessar a janela do quarto, até que o relógio digital soou o seu alarme e eu me vi levantando e me arrumando mecanicamente para o novo dia de escola.
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Não procurei por Cirus, muito menos por Angel. Para falar a verdade, nem tinha a noção se minha tia havia voltado para casa ontem. Tudo o que eu queria era sair dali e ver se Serina e Líon estavam bem... Se nada de ruim havia acontecido com eles enquanto estava longe. Por isso que eu acho que dá para imaginar de uma forma bastante clara como eu fiquei surpreso quando abri a porta da Casa-de-Bombeiros, pronto para partir, e me deparei com os gêmeos empoleirados na soleira da entrada - os rostos idênticos franzidos em apreensão.
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- Hei, o Belo Adormecido finalmente saiu do castelo! - exclamou Líon, ao mesmo tempo em que Serina me estendia um grande copo de papel repleto de chocolate quente, seu sorriso solar se espandindo pelo rosto.
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- Nós estávamos preocupados - disse ela, encolhendo os ombros delicadamente assim que viu a minha expressão confusa - Não paramos em casa ontem, mas não fiquei um minuto tranquila... Você realmente nos assustou no sábado!
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De forma inconsciente, a garota ergueu a mão direita e passou pelo meu braço, como se para ter certeza que era eu mesmo ali na frente dela. Em resposta ao seu toque, pude sentir minhas orelhas ficarem quentes, e o velho rubor se espalhando pelas minhas buchechas.
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- Eu... eu estou bem - disse por fim, assim que consegui tomar o controle das minhas cordas vocais. - Foi só um ataque de fraqueza. Não precisava se preocupar.
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Muita mais poderosa do que da primeira vez, a sensação da ligação que me tomava sempre que eu encontrava Serina encheu o ar à nossa volta como uma tempestade elétrica. Por um segundo, me permiti mergulhar nos olhos acastanhados da garota, sua pele castanha resplandecendo contra meu rosto cor-de-neve.
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- Será que o dois já terminaram de flertar? - balbuciou Líon, esfregando suas mãos uma na outra - O dia está lindo como sempre, mas aqui fora parece que está caindo neve!
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Como se despertasse de um sono profundo, Serina olhou envergonhada para a mão que continuava a alisar o meu braço esquerdo. Assim que ela recolheu o seu toque, minha pele protestou indignada. Fingindo não escutar o martelar desvairado do meu coração, tranquei a porta às minhas costas e acompanhei os dois na diração da escola.
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- Hum, então Adrian... - começou Serina, passando o seu braço sobre o ombro do irmão, tentando ao máximo disfarçar o que havia acabado de acontecer - Você soube? Já começaram a planejar o nosso Baile de Formatura.
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Em resposta à novidade, senti os meus ombros se encolherem e minha garganta se fechar com um ruído fraco.
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O Baile de Formatura da Academia Constantine era mais uma tentativa frustrada e clichê do Diretor Nigro de induzir cada veterano de sua instituição à se sentir em um filmeco adolescente feito para a televisão. Como a cerimônia era o auge do reinado dos Privilegiados, não precisava pensar muito por que eu não gostava nem um pouco me de imaginar pisando no salão de festas do Grand Hotel Ventura - onde sempre aconteciam os eventos de gala da cidade - na noite do Baile.
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Para piorar as coisas (ou refrescar ainda mais a minha memória), assim que chegamos ao campus da Academia, vi um grupo de zeladores estendendo na Torre do Relógio uma enorme faixa vermelha com os dizeres: ''16º Baile Anual de Formatura - Uma Noite Além da Imaginação (Ingressos na Secretaria)''.
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- Urgh, que tipo de tema é esse? - indagou Líon, olhando tão exasperado para o cartaz quanto eu - ''Uma Noite Além da Imaginação''?! Já posso imaginar as fantasias bizarras que vão surgir no dia...
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Serina parecer indginada com o comentário do irmão. Depois de olhar do novato para mim, ela meneou a cabeça com reprovação e saiu apressada na direção do Pavilhão de Tortura, não antes de murmurar um ''garotos...'' impiedoso para nós dois.
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- Mas o que foi que eu fiz? - resmunguei admirado, ao passo que olhava o rastro deixado pela garota enquanto se afastava de onde estávamos - Eu não disse nada de ruim sobre esse maldito Baile!
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O garoto me encarou com uma careta que dizia claramente coisas como ''ela estava jogando verde'' e ''uma imagem vale mais do que mil palavras'', mas no fim, ele acabou falando com um calma bastante fingida - Basta comprar os convites, levá-la para esta tal festa e ela vai se esquecer de tudo... Eu garanto.
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Sentindo o sangue se concentrar em minha face, encarei Líon sem saber o que fazer. Revirando os olhos deliberadamente, o rapaz girou nos próprios calcanhares e me puxou para os vestiários, seus passos tão apressados que quase me obrigou a correr atrás dele.
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Para nosso espanto, não se via o sinal da Treinadora Kara em lugar algum da entrada do Pavilhão - o que era bastante atípico, já que toda as segundas-feiras ela recebia os alunos do último ano em frente ao portão de folhas duplas do ginásio.
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- Deus, esse lugar está tão escuro! Onde está todo...
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Antes que Líon pudesse completar a pergunta, um grito alto e agudo quebrou o silêncio do Pavilhão e se chocou contra a parede atrás de nós, de forma fria e cruel. Não pensando em nada, olhei brevemente para o novato ao meu lado e corremos o máximo que podíamos - o máximo que eu podia sem revelar o meu segredo - e inrrompemos na área da piscina, o sangue fervendo em minhas veias.
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- Eu não estou enchergando nada! - exclamei, tateando as cegas pela escuridão, à procura da caixa de força do Pavilhão de Tortura. Quando encontrei o interruptor certo, puxei a alavanca para cima e cobri a meu rosto, esperando que as minhas pupilas se dilatassem até que eu me acostumasse com a forte luz artificial e pudesse ver alguma coisa.
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Parado á alguns metros na minha frente se encontrava Líon.
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O garoto estava meio curvado e meio agachado sobre uma forma emaranhada e um pouco estendida no chão de mármore, seu rosto oculto pelas sombras produzidas por seu cabelo lanzudo. Só pude destinguir os contornos outrora elegantes e retos de Serina quando me aproximei da cena, o corpo de seu gêmeo a cubrindo gentilmente - como se a protegesse de algo que eu ainda não conseguira decifrar.
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- O que foi que aconteceu? - sussurei sem fôlego, minha voz tomada pelo choque de ver as lágrimas de terror escorrerem livremente pela face delicada da garota, seu uniforme desalinhado e amarrotado.
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Com um leve movimento, o garoto ergueu o queixo e me indicou o que estava assustando sua irmã, seus grandes olhos escuros denunciando todo o medo que ele estava sentindo no momento. Um pouco mais adiante, uma mancha vermelha escorria pelo chão.
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Foi o cheiro que denunciou tudo. Antes que eu chegasse mais perto, o odor metálico e pungente me atingiu em cheio. Respirando forte, olhei para o piso aos meus pés e me deparei com uma única palavra escrita no chão, em grandes letras vermelhas: CHEQUE.
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- Isto... isto é sangue - suspirou Serina com força, as lágrimas ainda manchando o seu rosto - Isto foi escrito com... com sangue.
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Mas aquilo não era tudo.
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Um pouco mais à frente, o corpo de um homem alto e atlético boiava de bruços na piscina, uma horrenda mancha carmesim tomando conta da água ao seu redor. Meu estômago embrulhou na hora, mas nada teve haver com o sangue espalhado por todo o lugar.... Era pelo simples fato de eu conhecer quem era o estranho, mesmo estando de costas para mim.
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Ele era o taxista - o cara que estava ao meu lado todas as vezes em que sonhava com o demônio que perseguia Líon.
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- Temos que sair deste lugar... Agora!
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Sem dar chances do novato ou sua irmã protestarem, guinchei os dois pelos ombros e os levei à passos largos para fora do Pavilhão de Tortura.
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Eu tinha certeza, a mensagem escrita no mármore era para mim. E, por mais que não parecesse, o seu significado era bastante simples e claro: a primeira rodada do jogo havia acabado... e se eu não corresse logo, esta seria apenas a minha primeira derrota.