quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Capítulo 9 - O Confronto

Contrariando todo o bom senso, logo na primeira aula - que foi no laboratório de Biologia - Serina dividiu a mesa com o irmão e comigo. E verdade seja dita, oportunidade de se esquivar de nossa companhia não lhe faltou.
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Depois que entramos na sala, toda a turma de veteranos nos encarou - ou melhor, encararam à ela - estupefados. Percebendo nossa chegada, o Prof. Novaz pediu para que a garota se apresentasse á classe, antevendo que Líon já deveria ter tido a oportunidade de fazê-lo no dia anterior. Aceitando o convite com um meio sorriso tímido, e uma naturalidade sem tamanho, ela o fez.
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Pelos dois minutos em que falou, ela nos teve na palma de sua mão. Nem mesmo Oliver e parte do grupo dos Privilegiados que dividiam as aulas conosco pareciam ser imunes ao poder que Serina irradiava. Secretamente, enquanto a observava à frente do quadro negro, percebia o quanto ela se parecia com o sol lá fora - repleta com uma força magnética, a garota era capaz de envolver quem quer que seja ao seu redor.
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Assim que terminou o seu pequeno discurso, metade das garotas - incluindo Amanda Vixen e suas amigas - ofereceram suas mesas para Serina se sentar. Porém, surpreendendo à todos, ela recusou educadamente os pedidos e se sentou entre Líon e eu (me lançando uma rápida piscadela que quase fez meu estômago rodopiar).
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Durante o resto do dia, os dois irmãos me seguiram por todas as salas de aula. Mas, diferente de mim ou do novato, a menina atraía a atenção das pessoas por onde passava.
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Sem dúvida alguma, o momento mais embaraçoso foi na hora do intervalo. Metade dos grupinhos espalhados pelo Pátio Central da Constantine pareciam ter separado um lugar cativo para Serina ao meio deles. Só que, novamente frustrando a expectativa geral, a garota preferiu se sentar junto comigo e Líon em uma pequena banqueta na Galeria que ligava o Prédio Principal da Academia à velha construção que nos servia como Biblioteca.
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Por alguns minutos, tudo o que fiz foi ficar admirando como a claridade que invadia a Galeria por entre as frestas deixadas por suas colunas de tijolos vermelhos resplandecia pela pele morena da garota. Eu tinha plena conciência que Líon falava alguma coisa comigo, mas todas as palavras que saíam de sua boca pareciam flutuar a minha volta, como se eu estivesse usando potentes fones de ouvido no volume máximo.
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''Não fique encarando muito a novata, esquisitão!'', eu me repreendia silenciosamente, quando Serina descansou o sanduíche que comia em seu colo e virou-se na minha direção, seus olhos castanhos repletos de uma preocupação que não combinava com suas feições angelicais.
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- Acho que aquele loirinho de hoje cedo está encarando você... - cochichou ela, inclinando minimamente o seu queixo na direção de Oliver Nigro, cujo a expressão carrancuda parecia indicar que ele estava me fulminando mentalmente.
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- Ah, não se preocupe - respondi, não conseguindo controlar o riso que surgia em meus lábios - Ele e os amiguinhos dele sempre fizeram isto... Não é agora que iriam parar.
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- Mas por quê? - continou Serina, sua face demonstrando todo o choque que sentia - Por que eles te tratam desse jeito?
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- Sei lá... Acho que não me encacho nos ''altos padrões'' de aceitação dos Privilegiados.
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Parecendo não acreditar no que havia acabado de escutar, a garota chegou mais perto de mim e me esquadrinhou por inteiro, igual às garotas que ficavam espremidas na porta do vestiário masculino antes das aulas de Ed. Física.
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- Você só pode estar brincando! - disse ela, meneando a cabeça em descrença, um sorriso de incredulidade surgindo em seus lábios - Ou isso, ou você não deve ter um espelho sequer na sua casa!
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Agora quem não acreditava no que havia escutado era eu. Foi isso mesmo que eu ouvi? Serina, a garota que praticamente parou a Constantine com a sua chegada, acabara de dizer que me achava bonito?
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- Hei, sobre o que vocês estão cochichando? - interrompeu Líon, olhando de mim para a irmã com pura suspeita.
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- Nada - respondeu sua gêmea, pegando de volta o seu sanduíche e o mordiscando de leve - Só estava dizendo para o Adrian aqui que eu acho que aquele loirinho, da nossa sala, está pensando em aprontar alguma coisa pra cima dele...
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- O quê? O Oliver?! - exclamou o novato, não disfarçando seu olhar de repulsa ao se inclinar para o outro lado do pátio, onde os Privilegiados estavam - Tudo bem, ontem ele se mostrou para mim um Otário com O maiúsculo... Mas por que ele iria armar alguma coisa contra o Adrian?
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- Bom - começou Serina, claramente arrependida de ter tocado no assunto na frente do irmão - Assim que eu cheguei na escola, ele e o grupinho dele meio que... me importunaram - na menor menção de Líon em se levantar, a garota correu para apoiar sua mão esquerda sobre o peito dele, tratando logo de acrescentar - Mas eu tinha tudo sobre controle! Só que... bem, o Adrian viu e interferiu.
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- E?... - indagou o novato, claramente nem um pouco convencido com o final que sua gêmea havia dado ao assunto.
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- Ahn... - continuou Serina, olhando para mim como quem pedisse um pouco de apoio - Ficou meio óbvio que esse tal de Oliver não ficou feliz com a interferência do Adrian na nossa ''conversa''; só que, antes que as coisas ficassem realmente feias, eu consegui separá-los.
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- Então era por isso que vocês dois estavam se agarrando em baixo da árvore quando eu cheguei?
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- Sim, quero dizer, não! - engasgou-se a garota, ao mesmo tempo em que eu tentava afroxar o nó da minha gravata - Não seja idiota, garoto.
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Depois que Serina me alertou sobre o comportamento de Oliver, durante o resto do dia me vi observando o garoto por cima do braço - sempre me esquivando quando percebia que ele se virava para mim. Era bastante nítido para qualquer um que nós dois nunca tivemos uma relação de grande camaradagem ao longo desses onze anos. Mas, até então, eu nunca tinha visto o filho do diretor me encarar com tamanha raiva - geralmente era só nojo.
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Pois foi isso o que Oliver fez: me encarou com raiva no intervalo... me encarou com raiva na aula de Cálculo... Me encarou com raiva no Laboratório de Informática, até que o último sinal do dia tocou, e toda a turma de veteranos se dispersou, fugindo da sala como se houvesse uma ameaça de bomba na escola.
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Quando terminei de vestir o meu agasalho de estimação por cima do paletó vermelho do uniforme, acompanhei Líon e Serina na direção da entrada, fazendo questão de ignorar o olhar persistente do rapaz sentado no canto mais escuro do Laboratório.
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- Então - eu disse, colocando minha mochila sobre os ombros e subindo em cima do meu skate - tenho uma vaga sobrando no meu automóvel. Quem quiser uma carona para casa, é só subir. Mas vou avisando, as damas tem prioridade!
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O Novato revirou os olhos deliberadamente, ao passo que sua irmã se colocou entre nós dois e sorriu de forma marota para mim.
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- Você é um palhaço, sabia? - riu ela, ajeitando uma mecha escura que havia caído sobre o seu rosto - Mas hoje vou ter que recusar. Papai vem buscar a gente de carro para almoçar, sabe... Comemorar o novo emprego dele e tal.
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- Tudo bem - comentei, tentando esconder a minha decepção.
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- Mas amanhã eu vou aceitar essa carona com todo o prazer! - completou a garota, assim que chegamos ao Pátio de Entrada da Constantine.
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- Eu não vou me esquecer disso... - eu disse, contemplando os dois se afastarem de mim e entrarem em um carro preto e elegante do outro lado da calçada.
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Líon, que não havia perdido a esportiva, abaixou a janela ao lado do seu banco e gritou na minha direção:
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- Hei, eu também não vou me esquecer que vocês dois iam me deixar voltar para casa a pé!
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Ao som de uma breve bozinada de despedida - provavelmente do pai dos gêmeos - o automóvel negro acelerou e partiu, me deixando sozinho junto com os outros estudantes que saiam da Academia e partiam para os seus destinos.
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Ainda rindo sem saber o por quê, dei impulso no meu skate e segui à toda na direção da Casa-de-Bombeiros. O trânsito pelas ruas de Ventura aquela hora estava bastante movimentado, por isso resolvi pegar um atalho. Como esperado, a passagem subterrânea que cruzava uma das avenidas principais se encontrava vazia e mal iluminada, então me dei ao luxo de continuar na mesma velocidade que estava sem me preocupar em ''atropelar'' alguém.
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Porém, antes que eu pudesse chegar ao fim da pequena via, um vulto alto e forte bloqueou o meu caminho, seu rosto oculto por um capuz e sua mão direita armada com uma barra de ferro. Assustado, parei o skate de forma brusca e tentei me equilibrar sem ver o chão, meus olhos congelados na figura ameaçadora á minha frente.
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Por um minuto, me lembrei do jovem demônio perseguidor. Mas, assim como naquela manhã, eu estava completamente equivocado. Com uma destreza particular, o vulto girou a barra de ferro em sua mão e puxou o capuz do seu casaco para trás, revelando seus olhos claros cobertos de rancor.
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- Oliver - sussurei, tentando manter a calma - o que você está fazendo aqui?
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Com um sorriso sem humor algum, o rapaz parou e me encarou, o bastão metálico ainda girando em sua mão. O eco seco de passos às minhas costas me mostravam que ele não viera sozinho. Quando me virei com cautela, vi Antoni e Tomas se aproximando de mim, o primeiro segurando um taco de beisebol e o segundo alizando um longo pedaço de madeira.
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- Hei, caras, nós sabemos que não precimos disso tudo - tentei apaziguar, mas tudo o que eu consegui foi fazer Oliver acertar a parede ao seu lado com a barra de ferro.
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O som correu pela passagem e me encheu de pânico. É claro que eu já havia brigado - ou melhor, apanhado - outras vezes com aqueles caras. Porém, das outras vezes, foram carne contra carne. Eu podia suportar. Só que, alguma coisa me dizia, daquela vez eles queriam deixar uma mensagem bastante clara para mim.
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- Regis, Regis... - suspirou Oliver, chegando mais perto de onde estava - cadê toda aquela bravura que você demonstrou pra gente hoje de manhã? Foi embora com a garota?
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Antoni e Tomas riram atrás de mim. De fato, pela primeira vez na vida, eu queria mesmo que o ''Adrian Rebelde'' e sem medo de ser expor estivesse ali para me controlar. Mas, como ele mesmo disse, parecia que o meu espirito destemido havia ido embora naquele carro elegante junto com Líon e Serina.
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- Você sabe que seria mais racional se você simplesmente me dissese para que, da próxima vez, eu ficasse fora do seu caminho, não? - perguntei, pegando cautelosamente o skate dos meus pés e o segurando á minha frente.
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- É claro que eu sei... - respondeu o líder dos Privilegiados - Mas hoje eu estou afim de tirar um pouco de sangue dessa sua carinha.
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Se não fosse pelos meus dons de Arcano, eu tinha certeza que teria caído no chão sem pensar duas vezes. Assim que terminou de falar, Oliver girou o seu bastão tão rápido na minha direção que tudo o que eu pude fazer foi me esconder embaixo da prancha do skate. O choque do metal com a madeira o desiquilibrou, mas isto não impediu que seus amigos viessem ao seu auxílio.
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Antes que os dois pudessem me atingir, joguei o meu skate para trás com toda a força. A prancha os atingiu em cheio no meio do estômago, e tanto Antoni quanto Tomas foram arremessados para trás iguais à duas grandes e horrendas marionetes. Recuperado do choque, Oliver tentou me acertar mais uma vez, porém eu consegui ser mais rápido. Aparei a barra de ferro entre as minhas duas mãos e a entortei, transformando-a em um enorme ponto de interrogação.
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Aterrorizado, o garoto tentou fugir, mas era tarde demais. A adrenalina tomava conta do meu ser, e tudo o que eu via na minha frente eram formas escuras e vermelhas. Sem dar margem para escapatória, peguei o filho do Diretor Nigro pelo colarinho do uniforme e o joguei na mesma direção onde seus amigos tentavam se levantar. O choque fez os três caírem novamente, uma emaranhado grotesco de braços e pernas se movendo em todas as direções.
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- Que tipo de coisa é você? - bradou Oliver, assim que conseguiu se levantar e limpou o pequeno filete de sangue que escorria pelo canto de sua boca.
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Eu não tive tempo de responder que tipo de coisa eu era. Após ajudar os amigos a se levantar, Oliver e seus dois comparsas correram á toda velocidade na direção contrária da passagem subterrânea - deixando para trás apenas o taco de beisebol, o pedaço de madeira e os bastão de ferro retorcido.
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Assim que os três saíram do meu campo de visão, um poderoso sentimento de culpa me tomou. O que eu havia feito? Eu usara meus dons de Arcano para machucar outra pessoa, drasticamente mais fraca e quebrável do que eu. Respirando rápido, tentei reunir todas as minhas coisas que haviam se espalhado durante o confronto. Enquanto jogava tudo o que eu alcançava para dentro da minha mochila, eu pensava que Oliver poderia estar neste exato momento contando para todos que conhecíamos o que eu havia acabado de fazer à ele, Antoni e Tomas.
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E foi neste instante que a luz da passagem se ascendeu e voltou a se apagar.
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Confuso, olhei para os lados para tentar ver o que havia acabado de acontecer. Para meu espanto, parado contra a luz do sol - no lado oposto do vão - se encontrava a sombra alta e descamisada de um rapaz ruivo e musculoso. Seus olhos negros como a noite me avaliavam com atenção, um dos cantos de sua boca levemente repuchado em uma expressão de contentamento.
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Contrariando a lógica normal, me levantei e segui à passos largos na direção do demônio que perseguia Líon e que o empurrara da plataforma do Pavilhão de Tortura no dia anterior. Quando cheguei perto dele, tudo fez sentindo...
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Foi ele! Aquilo tudo, desde de manhã, havia sido armado por ele! O aprendiz de assassino havia controlado a Oliver e a mim para que nos confrontássemos, para que eu usasse os meus dons de Arcano. Por isso a sensação de ser tomado por uma personalidade que não era minha.
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- O que você quer? - cuspi com raiva, tendo que inclinar a minha cabeça para poder olhar o rosto zombeteiro à minha frente.
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- O que eu quero? - disse ele, com uma voz grave e divertida - Hum, eu acho que você sabe... Eu quero você fora do meu caminho!
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Eu o admirei, minhas mãos fechadas em punho. Ele estava pedindo para eu sair de fininho e observar Líon morrer? Só podia ser brincadeira.
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- Acho que isso vai ser meio impossível - respondi, meus dentes tão cerrados quanto os meus olhos.
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- Impossível, é? Então acho que vou ter que preparar muitas outras brincadeiras para nós dois!
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Com um sorriso maligno, o jovem demônio tremeluziu e desapareceu. Eu ainda girei nos calcanhares, na vaga esperança de o encontrar atrás de mim, mas tudo o que eu podia ver era minha mochila, meu skate e a luz do sol que invadia a pequena passagem - sem dar pistas da aparição que havia acabado de se materializar ali.

4 comentários:

  1. Ai, o melhor capítulos de tods!!!

    Fiquei totalmente ADRINA! S2

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  2. Kd o resto?? Meu Deus, este cap foi alucinate!!

    Ah adorei esta parte:
    ...- Você só pode estar brincando! - disse ela, meneando a cabeça em descrença, um sorriso de incredulidade surgindo em seus lábios - Ou isso, ou você não deve ter um espelho sequer na sua casa!...

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  3. "- Hei, eu também não vou me esquecer que vocês dois iam me deixar voltar para casa a pé! "
    SDHASIODHASOIUDHD eeeu ri muuito nessa parte, serio mesmo, imaginei a cena e pans, mto bom *-*
    aaah, esse oliver e o ruivinho tao me irritando já -.-*
    vou bater nos dois -qqq

    muuito bom Henri :*

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  4. Henri, gostaria de saber um e-mail ou telefone para contato com você. Trabalho numa livraria e há algumas pessoas interessadas em adquirir seus livros -- não consegui saber ao certo se eles já existem fisicamente ou se a leitura só é possível on-line. Aguardo seu retorno e desde já agradeço. Um abraço,

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