Líon e eu saímos do Prédio Principal da Academia Constantine no exato momento em que o sino da torre do relógio anunciava para todo o quarteirão o começo do segundo período. O sol estava apino, mas como de costume, o vento ártico varria a rua da escola, que se encontrava deserta aquela hora do dia.
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- E então - puxei assunto, enquanto terminava de abotoar meu agasalho por cima do uniforme - você mora muito longe daqui?
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- Não muito - disse Líon - mas você não precisa realmente me levar pra casa... Eu só estava brincando.
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- Tudo bem, eu levo mesmo assim... - completei, seguindo o caminho que ele tomava - vai que você atravessa a rua sem a devida atenção e não tem niguém lá pra te salvar do atropelamento iminente?
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Olhei sarcasticamente para o novato, no mesmo instante em que ele se virava para mim e me mostrava o dedo médio - o que foi muito grosseiro, não nego, mas me fez cair na gargalhada. Afinal, mesmo quando estava aborrecido, Líon era uma pessoa fácil de se lidar. E diferente dos outros garotos de Ventura, ele não parecia esperar que eu lhe transmitisse algum tipo de vírus mortal ou qualquer coisa do tipo.
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- Bom, não pode negar que há uma possibilidade... e que seria realmente útil se houvesse alguém por perto - continuei, logo depois de ter certeza que ele parecia não estar mais irritado.
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-Sabe, você tem razão - concordou Líon de má vontade - São poucas as pessoas que tem a oportunidade de conferirem o meu ''pendor para desastres'' logo no dia em que me conhecem.
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- Então devo ficar honrado? - perguntei, a expressão sarcástica ainda em meu rosto e em minha voz.
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Só pela careta de Líon, percebi que ele estava falando sério quanto a história de ''pendor para desastres''. Sem sombra de dúvidas, eu havia encontrado um concorrente sério para o prêmio de Azarado do Ano. Tinha certeza absoluta que a má sorte dele só não era maior que a minha por um mero detalhe: Ele não tinha que se preocupar em esconder a sua peculiaridade toda vez que botava os pés na rua.
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Depois de atravessarmos duas avenidas e percorremos quatro blocos, entramos em uma rua calma e arborizada. Ela era composta basicamente de residências altas e estreitas, os jardins sem muro se resumindo a um quadrado na calçada, as casas separadas umas das outras apenas por pequenos vãos entre as paredes - assim como todas as áreas residenciais da cidade.
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Eu conhecia bem aquele lugar. Usando como referência a vista panorâmica que eu tinha do meu telhado, aquela parte de Ventura ficava atrás da minha casa, duas quadras abaixo.
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Era engraçado imaginar que, hoje pela manhã, eu não estava com a mínima vontade de ir para a escola e, agora, eu estava contando as horas para que o dia seguinte chegasse logo... Como eu imaginaria que iria conhecer o primeiro aluno decente da Constantine nos últimos segundos do segundo tempo?
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Antes do esperado, nós já havíamos chegado à casa de Líon e estávamos parados em frente à pequena escada de entrada da morada dos Biel.
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Eu estava prestes a me despedir do garoto quando algo surreal me paralisou: um vulto escuro e baixo surgiu no batente da porta, um silvo agudo escapando de suas presas à mostra. Antes que pudesse pensar em fazer alguma coisa, a sombra negra arqueou o corpo e saltou na minha direção, suas garras longas e afiadas prontas para perfurarem o meu rosto.
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Me preparei psicologicamente para sentir a dor aguda do ataque... mas não foi o que ocorreu. Com uma agilidade inesperada, Líon aparou o vulto com as mãos e o aninhou em seu colo. Foi só então que eu percebi que a coisa que havia acabado de tentar me atacar não passava de um gordo e feio gato preto de olhos amarelos.
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- Ai, ai, ai!... O que foi isso Sortudo? - Líon ralhava com o animal, mas o bichano continuava a me observar irritado - O papai já não disse que não se deve atacar às visitas?!
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- Papai? Sortudo? - eu sabia que meu rosto devia estar em choque. E o gato continuava me encarando ferozmente, os pêlos da nuca eriçados e suas pequenas presas arreganhadas como uma placa de aviso.
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- Sim, ele é meu... - respondeu o novato, ainda distraído em sua tentativa de acalmar o felino - Ganhei de presente da minha irmã Serina; uma brincadeira com toda a história da minha ''má sorte''.
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Bom, se Líon estava tentando mudar a sua fortuna, eu tinha absoluta certeza que ter um gato preto como bicho de estimação não estava ajudando muito... Não que eu não goste de gatos - pelo contrário, são eles que não gostam de mim!
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Uma vez, quando eu era menor, um gato de rua tentou arrancar os meus olhos só por que passei perto demais. Depois do episódio, meu pai me explicou que geralmente animais e insetos podiam reconhecer quando uma pessoa era completamente normal ou era ''tocada'' por algo sobrenatural. O único problema nisto estava no fato de que geralmente os gatos (assim como a maioria dos seus irmãos felinos) eram os únicos que não sabiam reconhecer quando o ''toque'' significava ser algo bom ou ruim - o que os deixam arredios e violentos sempre que se deparam com algo que não consideram natural.
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Resultado: não importa se você é um Arcano ou algo muito pior, gatos sempre irão querer acabar com a sua raça.
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Enquanto Líon tentava inutilmente acalmar os ânimos de Sortudo, resolvi admirar um pouco a faixada da casa dos Biel. Assim como os outros prédios da rua, a construção era de um tom escuro, com o telhado cor-de-chumbo em diagonal, inclinado na direção da entrada, e o canteiro ao lado da pequena escada repleto de flores coloridas. Eu não podia enxergar muita coisa do seu interior - quase todas as janelas estreitas estavam cobertas por finas camadas de cortinas de seda clara.
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Quase todas... exceto uma.
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Logo acima da entrada, uma janela se encontrava ligeiramente entreaberta. As cortinas pendiam livres atrás do vidro, formando uma pequena brecha pela qual podia-se ver o teto rebuscado de um quarto e a luminária delicada fixada no centro. Sem saber muito bem o por que, fixei o meu olhar naquela direção e não desviei mais. Parecia que uma estranha força me conduzia naquela direção, como por encanto. Não era a mesma sensação que eu sentira na piscina com o Líon... Pelo contrário, era muito melhor - simplesmente indescritível. Era como se todo o meu instinto quisesse ficar parado ali, só admirando aquele pedaço do cômodo, sem ver o tempo passar.
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E foi isto que eu fiz, por longos minutos. Parte de mim ainda podia vislumbrar a pequena luta do novato com o seu gato, e outra pequena parte parecia estar atenta ao fato de eu estar parado, com um uniforme escolar, no meio de um rua completamente estranha. Porém, toda o conjunto dominante, desde os meus nervos até a consciência, pareciam estar interligados àquela janela - como se esperassem que algo grandioso e surpreendente pudesse acontecer a qualquer instante.
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E para o meu total espanto, aconteceu.
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Detrás do véu de seda, um rosto belo e delicado como o de um anjo surgiu, observando a rua deserta. Uma longa cascata de cabelos cor-de-chocolate emolduravam a face estranhamente perfeita, sua pele castanha irradiando fracamente os raios de sol que se infiltravam para o quarto pela brecha da janela. Seus olhos escuros e intensos admiraram a rua de ponta à ponta, até que eles finalmente recaíram sobre mim - aprisionando-me por completo.
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A ligação estava feita. A garota e eu nos encaramos por um longo tempo, e eu já podia sentir no meu rosto o fluxo repentino de sangue se formando. Ela me observava com as sobrancelhas cerradas, como se tentasse me reconhecer de algum lugar - a mesma sensação que eu sentia parado na calçada. Para mim, nada ao redor importava. Tudo o que eu precisava era ficar ali, admirando aquele ser celestial à minha frente.
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Nosso pequeno momento parecia estar durando uma eternidade. A garota-com-rosto-de-anjo continuou a me olhar e eu retribuía na mesma intensidade. Após mais um minuto, ela mordeu os lábios rosados e balançou de leve a cabeça, como se tentasse força a si mesma a voltar à realidade. Com um movimento rápido, ela se levantou de onde estava e fechou as cortinas - assim quebrando bruscamente o estranho elo que havia se formado entre nós.
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Sem fôlego, fechei os olhos e também sacudi a cabeça.
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- Hei cara, você está legal? - Líon me encarava preocupado, o bichano em seu colo - apesar de ainda emanar uma áurea ameaçadora - muito mais controlado.
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Balancei afirmativamente a cabeça como resposta. As coisas ao meu redor já haviam voltado ao normal. Aquilo não devia ter passado de um breve segundo, mas para mim foi como se tivesse durado o dia inteiro. Mesmo estando ainda descomposto, meu cérebro trabalhava a uma velocidade surpreendente. Durante um breve instante para considerações, acabei concluindo o óbvio: a garota na janela só podia ser uma única pessoa - Serina, a irmã de Líon... Mas isto não explicava o por quê da sensação de eu à conhecer de algum lugar.
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- Líon, por acaso você e a sua família já vieram para Ventura alguma vez? - antes de terminar a pergunta, eu já havia me arrependido de a ter feito. Aonde eu estava com a cabeça? O que o novato ia pensar de mim?
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- Hum, não... - Líon franziu a testa com desconfiança, mais continuou - Sabe, eu gosto de brincar que somos meio ''nômades''. Eu e Serina nascemos no Rio de Janeiro, mas nós já moramos em tantos lugares que até já perdi as contas... Para ser sincero, mesmo morando em Dumont, eu não fazia a mínima idéia da existência de Ventura!
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O novato acariciou ternamente o gato em seu colo e suspirou. Estava na cara que se mudar para Ventura não havia sido nada legal para o garoto. E eu não podia muito menos culpá-lo por se sentir infeliz aqui... Afinal, eu mesmo queria meter o pé desta cidade - que apesar de linda - era recheada de pessoas falsas e interesseiras.
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- Acho que está na hora de eu entrar... - disse Líon, ainda acariciando Sortudo.
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- É, você tem razão - concordei, satisfeito por ele não ter maldado nenhum pouco a minha pergunta. - Acho que nos vemos amanhã na escola, não?
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- Com certeza! - o novato abriu um enorme sorriso, e girou lentamente em direção a porta.
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Esperei Líon entrar e trancar a porta de entrada para dar uma última olhada na janela do quarto de Serina e voltar para casa. Eu estava cansado e tinha a esquizita impressão de que minha cabeça pesava mais do que o resto do meu corpo. Flashes dos momentos na piscina e do rosto da irmã de Líon iam e vinham na minha mente, e cada músculo meu parecia estar esticado e retesado como se eu acabasse de percorrer uma maratona.
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Sem duvida alguma, aquele foi o dia mais movimentado de todos os meus 18 anos em Ventura. Eu não entendia muito bem, mas parecia que a minha vida só havia começado naquela manhã - como se todo o resto não passasse de um pesadelo, uma sombra indistinta em meus pensamentos.
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Dei uma última olhada para a casa dos Biel e virei a esquina. Por mais excitado, impressionado, desconfiado e cansado que estivesse, tudo o que eu queria naquele ponto era estar em casa - esparramado sobre o sofá da sala, aproveitando cada segundo deste meu inesperado dia de folga.
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- E então - puxei assunto, enquanto terminava de abotoar meu agasalho por cima do uniforme - você mora muito longe daqui?
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- Não muito - disse Líon - mas você não precisa realmente me levar pra casa... Eu só estava brincando.
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- Tudo bem, eu levo mesmo assim... - completei, seguindo o caminho que ele tomava - vai que você atravessa a rua sem a devida atenção e não tem niguém lá pra te salvar do atropelamento iminente?
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Olhei sarcasticamente para o novato, no mesmo instante em que ele se virava para mim e me mostrava o dedo médio - o que foi muito grosseiro, não nego, mas me fez cair na gargalhada. Afinal, mesmo quando estava aborrecido, Líon era uma pessoa fácil de se lidar. E diferente dos outros garotos de Ventura, ele não parecia esperar que eu lhe transmitisse algum tipo de vírus mortal ou qualquer coisa do tipo.
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- Bom, não pode negar que há uma possibilidade... e que seria realmente útil se houvesse alguém por perto - continuei, logo depois de ter certeza que ele parecia não estar mais irritado.
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-Sabe, você tem razão - concordou Líon de má vontade - São poucas as pessoas que tem a oportunidade de conferirem o meu ''pendor para desastres'' logo no dia em que me conhecem.
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- Então devo ficar honrado? - perguntei, a expressão sarcástica ainda em meu rosto e em minha voz.
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Só pela careta de Líon, percebi que ele estava falando sério quanto a história de ''pendor para desastres''. Sem sombra de dúvidas, eu havia encontrado um concorrente sério para o prêmio de Azarado do Ano. Tinha certeza absoluta que a má sorte dele só não era maior que a minha por um mero detalhe: Ele não tinha que se preocupar em esconder a sua peculiaridade toda vez que botava os pés na rua.
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Depois de atravessarmos duas avenidas e percorremos quatro blocos, entramos em uma rua calma e arborizada. Ela era composta basicamente de residências altas e estreitas, os jardins sem muro se resumindo a um quadrado na calçada, as casas separadas umas das outras apenas por pequenos vãos entre as paredes - assim como todas as áreas residenciais da cidade.
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Eu conhecia bem aquele lugar. Usando como referência a vista panorâmica que eu tinha do meu telhado, aquela parte de Ventura ficava atrás da minha casa, duas quadras abaixo.
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Era engraçado imaginar que, hoje pela manhã, eu não estava com a mínima vontade de ir para a escola e, agora, eu estava contando as horas para que o dia seguinte chegasse logo... Como eu imaginaria que iria conhecer o primeiro aluno decente da Constantine nos últimos segundos do segundo tempo?
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Antes do esperado, nós já havíamos chegado à casa de Líon e estávamos parados em frente à pequena escada de entrada da morada dos Biel.
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Eu estava prestes a me despedir do garoto quando algo surreal me paralisou: um vulto escuro e baixo surgiu no batente da porta, um silvo agudo escapando de suas presas à mostra. Antes que pudesse pensar em fazer alguma coisa, a sombra negra arqueou o corpo e saltou na minha direção, suas garras longas e afiadas prontas para perfurarem o meu rosto.
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Me preparei psicologicamente para sentir a dor aguda do ataque... mas não foi o que ocorreu. Com uma agilidade inesperada, Líon aparou o vulto com as mãos e o aninhou em seu colo. Foi só então que eu percebi que a coisa que havia acabado de tentar me atacar não passava de um gordo e feio gato preto de olhos amarelos.
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- Ai, ai, ai!... O que foi isso Sortudo? - Líon ralhava com o animal, mas o bichano continuava a me observar irritado - O papai já não disse que não se deve atacar às visitas?!
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- Papai? Sortudo? - eu sabia que meu rosto devia estar em choque. E o gato continuava me encarando ferozmente, os pêlos da nuca eriçados e suas pequenas presas arreganhadas como uma placa de aviso.
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- Sim, ele é meu... - respondeu o novato, ainda distraído em sua tentativa de acalmar o felino - Ganhei de presente da minha irmã Serina; uma brincadeira com toda a história da minha ''má sorte''.
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Bom, se Líon estava tentando mudar a sua fortuna, eu tinha absoluta certeza que ter um gato preto como bicho de estimação não estava ajudando muito... Não que eu não goste de gatos - pelo contrário, são eles que não gostam de mim!
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Uma vez, quando eu era menor, um gato de rua tentou arrancar os meus olhos só por que passei perto demais. Depois do episódio, meu pai me explicou que geralmente animais e insetos podiam reconhecer quando uma pessoa era completamente normal ou era ''tocada'' por algo sobrenatural. O único problema nisto estava no fato de que geralmente os gatos (assim como a maioria dos seus irmãos felinos) eram os únicos que não sabiam reconhecer quando o ''toque'' significava ser algo bom ou ruim - o que os deixam arredios e violentos sempre que se deparam com algo que não consideram natural.
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Resultado: não importa se você é um Arcano ou algo muito pior, gatos sempre irão querer acabar com a sua raça.
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Enquanto Líon tentava inutilmente acalmar os ânimos de Sortudo, resolvi admirar um pouco a faixada da casa dos Biel. Assim como os outros prédios da rua, a construção era de um tom escuro, com o telhado cor-de-chumbo em diagonal, inclinado na direção da entrada, e o canteiro ao lado da pequena escada repleto de flores coloridas. Eu não podia enxergar muita coisa do seu interior - quase todas as janelas estreitas estavam cobertas por finas camadas de cortinas de seda clara.
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Quase todas... exceto uma.
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Logo acima da entrada, uma janela se encontrava ligeiramente entreaberta. As cortinas pendiam livres atrás do vidro, formando uma pequena brecha pela qual podia-se ver o teto rebuscado de um quarto e a luminária delicada fixada no centro. Sem saber muito bem o por que, fixei o meu olhar naquela direção e não desviei mais. Parecia que uma estranha força me conduzia naquela direção, como por encanto. Não era a mesma sensação que eu sentira na piscina com o Líon... Pelo contrário, era muito melhor - simplesmente indescritível. Era como se todo o meu instinto quisesse ficar parado ali, só admirando aquele pedaço do cômodo, sem ver o tempo passar.
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E foi isto que eu fiz, por longos minutos. Parte de mim ainda podia vislumbrar a pequena luta do novato com o seu gato, e outra pequena parte parecia estar atenta ao fato de eu estar parado, com um uniforme escolar, no meio de um rua completamente estranha. Porém, toda o conjunto dominante, desde os meus nervos até a consciência, pareciam estar interligados àquela janela - como se esperassem que algo grandioso e surpreendente pudesse acontecer a qualquer instante.
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E para o meu total espanto, aconteceu.
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Detrás do véu de seda, um rosto belo e delicado como o de um anjo surgiu, observando a rua deserta. Uma longa cascata de cabelos cor-de-chocolate emolduravam a face estranhamente perfeita, sua pele castanha irradiando fracamente os raios de sol que se infiltravam para o quarto pela brecha da janela. Seus olhos escuros e intensos admiraram a rua de ponta à ponta, até que eles finalmente recaíram sobre mim - aprisionando-me por completo.
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A ligação estava feita. A garota e eu nos encaramos por um longo tempo, e eu já podia sentir no meu rosto o fluxo repentino de sangue se formando. Ela me observava com as sobrancelhas cerradas, como se tentasse me reconhecer de algum lugar - a mesma sensação que eu sentia parado na calçada. Para mim, nada ao redor importava. Tudo o que eu precisava era ficar ali, admirando aquele ser celestial à minha frente.
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Nosso pequeno momento parecia estar durando uma eternidade. A garota-com-rosto-de-anjo continuou a me olhar e eu retribuía na mesma intensidade. Após mais um minuto, ela mordeu os lábios rosados e balançou de leve a cabeça, como se tentasse força a si mesma a voltar à realidade. Com um movimento rápido, ela se levantou de onde estava e fechou as cortinas - assim quebrando bruscamente o estranho elo que havia se formado entre nós.
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Sem fôlego, fechei os olhos e também sacudi a cabeça.
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- Hei cara, você está legal? - Líon me encarava preocupado, o bichano em seu colo - apesar de ainda emanar uma áurea ameaçadora - muito mais controlado.
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Balancei afirmativamente a cabeça como resposta. As coisas ao meu redor já haviam voltado ao normal. Aquilo não devia ter passado de um breve segundo, mas para mim foi como se tivesse durado o dia inteiro. Mesmo estando ainda descomposto, meu cérebro trabalhava a uma velocidade surpreendente. Durante um breve instante para considerações, acabei concluindo o óbvio: a garota na janela só podia ser uma única pessoa - Serina, a irmã de Líon... Mas isto não explicava o por quê da sensação de eu à conhecer de algum lugar.
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- Líon, por acaso você e a sua família já vieram para Ventura alguma vez? - antes de terminar a pergunta, eu já havia me arrependido de a ter feito. Aonde eu estava com a cabeça? O que o novato ia pensar de mim?
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- Hum, não... - Líon franziu a testa com desconfiança, mais continuou - Sabe, eu gosto de brincar que somos meio ''nômades''. Eu e Serina nascemos no Rio de Janeiro, mas nós já moramos em tantos lugares que até já perdi as contas... Para ser sincero, mesmo morando em Dumont, eu não fazia a mínima idéia da existência de Ventura!
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O novato acariciou ternamente o gato em seu colo e suspirou. Estava na cara que se mudar para Ventura não havia sido nada legal para o garoto. E eu não podia muito menos culpá-lo por se sentir infeliz aqui... Afinal, eu mesmo queria meter o pé desta cidade - que apesar de linda - era recheada de pessoas falsas e interesseiras.
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- Acho que está na hora de eu entrar... - disse Líon, ainda acariciando Sortudo.
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- É, você tem razão - concordei, satisfeito por ele não ter maldado nenhum pouco a minha pergunta. - Acho que nos vemos amanhã na escola, não?
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- Com certeza! - o novato abriu um enorme sorriso, e girou lentamente em direção a porta.
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Esperei Líon entrar e trancar a porta de entrada para dar uma última olhada na janela do quarto de Serina e voltar para casa. Eu estava cansado e tinha a esquizita impressão de que minha cabeça pesava mais do que o resto do meu corpo. Flashes dos momentos na piscina e do rosto da irmã de Líon iam e vinham na minha mente, e cada músculo meu parecia estar esticado e retesado como se eu acabasse de percorrer uma maratona.
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Sem duvida alguma, aquele foi o dia mais movimentado de todos os meus 18 anos em Ventura. Eu não entendia muito bem, mas parecia que a minha vida só havia começado naquela manhã - como se todo o resto não passasse de um pesadelo, uma sombra indistinta em meus pensamentos.
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Dei uma última olhada para a casa dos Biel e virei a esquina. Por mais excitado, impressionado, desconfiado e cansado que estivesse, tudo o que eu queria naquele ponto era estar em casa - esparramado sobre o sofá da sala, aproveitando cada segundo deste meu inesperado dia de folga.
aaaah, mudanças mudanças e mudaaanças *-*
ResponderExcluirficam mais nítidas a cada momento *-*
mas mesmo com elas, a historia nao deixa de estar fantáticas o//
paarabens Henri, muito bom MESMO :D
bejs :*
olha eu aki de novo comentando nesse capitulo -qqq, DIUAHSDIAUSHD eu nao me canso de lê-lo *-*
ResponderExcluirso comentando que eu passei por aki de novo e ja to indo pro proximo capitulo *-* até a proxima pág ;)
♥